quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O modelo experimental europeu

Terminada a chamada silly season, passou ao lado de muita gente o relatório pedido pelo FMI sobre o programa da troika em Portugal. E não terá sido inocente. Não diz nada que já não se tivesse dito. Foram muitas as vozes a chamar a atenção dos erros flagrantes do chamado plano de resgate, das prioridades trocadas, da destruição do tecido económico que inevitavelmente aconteceria, do desemprego e emigração que provocaria.
Essas e muitas outras críticas foram feitas antes da sua implementação e, sobretudo, quando eram já mais que óbvias as falhas do programa. O próprio Vítor Gaspar as reconheceu na sua célebre carta de despedida. O próprio FMI já tinha noutras ocasiões admitido vários erros.
Nesse relatório o que lá está é o seguinte: o programa da troika falhou em toda a linha. Ponto. Os pressupostos estavam errados, enganaram-se nas fórmulas e nos seus efeitos e, claro, nenhum dos problemas estruturais da nossa economia melhorou, a sustentabilidade da dívida pública e da balança continua tão débil como antes e até o crescimento das exportações - visto como um dos sucessos do programa - ou o celebrado regresso aos mercados - os autores do relatório com uma mal disfarçada vergonha sugerem que não será evidente que isso não tenha sido consequência das políticas do BCE - em nada esteve relacionado com a malfadada receita. Ou seja, ajudou-se a destruir o nosso sistema bancário e, surpresa das surpresas, chega-se à conclusão de que uma restruturação da dívida teria sido uma medida bem vinda.
O pior de tudo não é perceber que se mandaram para o desemprego milhares de pessoas, não foi termos perdido milhares para a emigração, não foi só ver o factor trabalho humilhado com a aposta em salários baixos, não terá sido a aposta no empobrecimento, não foi por a receita ter produzido um país ainda mais desigual e mais injusto.
O que mais choca no relatório não é a assunção dos erros, é perceber a ligeireza com que se fizeram experiências com as vidas das pessoas, como meras cobaias ao serviço de uns senhores que nunca tinham testado uma fórmula, e com a cobertura de um ex-primeiro Ministro que serviu em bandeja um país inteiro e que continua interessado no insucesso do atual modelo em gestão.
E depois, e ainda segundo o FMI, o Deutsche Bank é o maior risco sistémico em todo o mundo. Mas não deixa de ser curioso que, com uma bomba relógio em casa, Shauble tenha obrigado a Europa a entreter-se com a destabilização de Portugal. Se essa bomba lhe rebentar nas mãos, os famigerados limites do défice serão uma brincadeira de criança e a Alemanha voltará a violar esses limites, como já o fez por várias vezes e sem qualquer sanção ou sequer ameaça.
Desde o Brexit que a Alemanha intensificou o bullying sobre Portugal. O objetivo é mostrar mão firme depois da debandada britânica ou criar problemas a um governo que não lhe agrada. E a direita portuguesa, responsável pela derrapagem do défice do ano passado, volta-se a comportar como o cordeirinho degolado e de joelhos à espera que alguém lhe venha um dia a dar razão.
Basta ver os novos empregos da nossa anterior Ministra das Finanças e do anterior Presidente da Comissão Europeia para se perceber de que lado estavam enquanto nos ‘governavam’. O código de ética não pode ser só para alguns, deveria ser para todos.

P.S. – Costumo dizer em tom de brincadeira que os heróis que conheço estão todos mortos. Mas conheço uns quantos bem vivos, os nossos bombeiros, bem hajam...

Publicado hoje no semanário 'A Voz de Chaves'


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