quinta-feira, 31 de março de 2016

Quando a realidade supera a ficção

"Sem surpresas, o parlamento aprovou esta quarta-feira o Orçamento do Estado para 2016 com os votos a favor de PS, PCP, Bloco de Esquerda e dos Verdes, a abstenção do PAN e os votos contra de PSD e CDS. A Direita avisa que este é um Orçamento imprudente. A Esquerda defende que é sinal de mudança."

Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa justifica promulgação do Orçamento de Estado - “convergiram duas vontades, a da maioria parlamentar e a das instituições europeias”.

"Ataques terroristas na Bélgica deixam dezenas de mortos e feridos. Explosões atingiram o aeroporto de Zaventem e estação de metro. Ao menos 34 morreram e mais de 200 ficaram feridos, segundo a imprensa."

"Prisão de Lula? "Impeachment" de Dilma? Novas bombas..."

"Luaty Beirão condenado a 5 anos e 6 meses de prisão."

"Trump consolida a dianteira no Partido Republicano. Donald Trump, vencedor indiscutível da Superterça no Partido Republicano, mostrou-se forte nos Estados mais conservadores do sul do país, como Alabama e Georgia."


sexta-feira, 18 de março de 2016

A geringonça e a caranguejola


O PSD de Passos está desorientado, perdido na sua auto-comiseração, afundado no fel revanchista que não consegue ultrapassar. O seu líder, que perdeu recentemente a muleta mais leal (Portas), ainda não percebeu que o futuro já lhe passou a perna, e que se não arrepiar caminho passará por dificuldades enormes. A falácia do medo, e o medo do sucesso da esquerda reunida, toldam-lhe as decisões. Decisões que ficam para memória futura e que já não têm forma de voltar atrás.
Ao mesmo tempo que se discute a ética do novo cargo de Maria Luís, com defesa de Passos, assistimos também pela primeira vez no parlamento, ao definhar niilista do maior partido da oposição.
Os votos contra tudo e contra todos, até contra medidas do próprio PSD enquanto foi governo e que agora continuam, é a mais pobre e triste vendetta pueril.
Substituir o combate pela inocuidade pode dar a médio prazo mau resultado. Para Passos, bem entendido. E, como se não bastasse, também pela primeira vez no parlamento, o maior partido da oposição não apresentou uma única proposta de alteração ao Orçamento de Estado, que acabaria aprovado por toda a esquerda, e até com algumas medidas aprovadas pelo CDS/PP, agora com Cristas ao leme.
Depois chegou a hora de votar a ajuda à Grécia e à Turquia para a situação dos refugiados. Um compromisso internacional do Estado português. Regressando uns meses no tempo, é de recordar o discurso exaustivo da coligação e do ajudante Cavaco sobre respeito pelos tratados e compromissos internacionais, na altura usando a estratégia do medo do bicho papão da extrema esquerda.
Pois o PSD absteve-se...
Entre chumbos, abstenções e faltas de comparência, este PSD e o seu líder afundaram de vez o seu discurso com uma actuação ridícula, revanchista e inútil.
A geringonça vai rebolando, a caranguejola está de patas para o ar...

sábado, 12 de março de 2016

Ouvi

Ouvi esta semana José Miguel Júdice especular sobre um eventual aumento da tributação das grandes fortunas. Ouvi Júdice dizer que esse aumento seria para 65% em sede de IRS. Ouvi Júdice dizer que as grandes fortunas em Portugal seriam consideradas remediadas nos países mais ricos.
Tenho pena que a sua interlocutora não lhe tenha perguntado em que se baseava e em que fontes, para tamanha especulação. Mas fico mesmo com pena que o jornalismo em Portugal esteja mesmo tão na mó de baixo que não permita de imediato, perante tais afirmações, perguntar a Júdice que grandes fortunas são essas e o que é que o ilustre considera como grandes fortunas... E já agora se concordaria com a medida e se ele próprio estaria incluído nesse grupo de 'remediados'. Provavelmente estará...
Pelos vistos, e segundo Júdice, sem qualquer contraditório e ao qual não deve estar habituado, as grandes fortunas serão as dos donos daquilo tudo...

quarta-feira, 9 de março de 2016

Adeus, até mais nunca

Tinha 9 anos quando Cavaco foi eleito primeiro Ministro. 30 anos depois, finalmente sai de cena. É um dia ambíguo. Feliz pela sua saída, triste por não conseguir perceber como é que a figura mais pequena da política portuguesa em democracia, conseguiu ganhar 5 eleições e eternizar-se no poder durante 20 anos. Deixo aqui transcrita a opinião de Daniel Oliveira, no Expresso, que espelha exactamente aquilo que penso sobre Cavaco.

"A frase que melhor define o “pensamento” político de Cavaco Silva é esta: “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”. Esta afirmação, parecendo ser apenas pueril, esteve sempre presente na incapacidade de Cavaco compreender a função de quem lhe fazia oposição. Apesar de involuntário, é o melhor resumo do processo mental de um ditador que acredita na virtude da sua autoridade. Quem discorda do projeto que ele tem para o País ou é ignorante ou mal intencionado. Se é ignorante, deve ser ignorado. Se é mal intencionado, deve ser reprimido. Se a política se resume à construção de consensos entre pessoas bem formadas e informadas, contrariadas por ignorantes ou mal intencionados, a democracia é um absurdo. Sábios honestos dispensariam, com ganho para todos, o confronto de ideias, a oposição ou as eleições.

Quando Cavaco Silva se apresenta como um não político, apesar de ser o mais veterano dos profissionais da política, não o faz por mera tática populista. Ele acredita, sendo coerente com o “pensamento” expresso no parágrafo anterior, que políticos são aqueles que perdem tempo em confrontos inúteis. Que ignoram os problemas reais para se entreterem com divagações fúteis e se entregarem a interesses mesquinhos. Ele, pessoa séria e informada, defensor incontestável do que é bom para o País, não pertence a essa casta medíocre. Ele é um técnico, um académico, um economista, que não se deixando abalar por jogos políticos, persegue apenas os interesses da Nação.

Quando deixei entre aspas o “pensamento” de Cavaco não o fiz por despeito ou provocação. Estou convicto que este raciocínio de Cavaco não resulta de qualquer tipo de elaboração ideológica. Pouco dado a leituras e ao debate com os outros, onde se aprende o que não se leu, Cavaco não tem consciência das consequências e antecedentes do que ele próprio defende. O pensamento de Cavaco, transportando em si a vulgata de um qualquer líder autoritário, é instintivo e primário, manifestando-se mais por via de deslizes não preparados do que por afirmações estruturadas ou com alguma sofisticação ideológica.

Outros deslizes que teve, como a utilização do termo “dia da raça” para falar do 10 de junho ou as pensões que deu a ex-agentes da PIDE e recusou à viúva de Salgueiro Maia, também resultaram mais de ignorância do que de uma convicção firmada. Mas não deixam de resultar de automatismos políticos. Os mesmos que o levaram, enquanto primeiro-ministro e já longe dos momentos conturbados do PREC, a usar com enorme frequência a repressão policial contra manifestações de trabalhadores, estudantes ou camionistas. Ou a tratar o Tribunal Constitucional e restantes instituições que servem de contrapeso ao poder executivo e legislativo como “forças de bloqueio”.

De formas simbólicas ou mais diretas, Cavaco nunca compreendeu que as instituições que dirigiu o transcendiam. Ao contrário do que é costume dizer-se, Cavaco Silva é o oposto de um institucionalista. No dia 5 de outubro de 2012 decidiu que não falaria ao povo da varanda da praça do Município, em Lisboa. Para não ter que enfrentar previsíveis protestos depois das manifestações de 15 de setembro (usou o argumento da poupança), exigiu que a coisa se fizesse à porta fechada, o que sucedeu pela primeira vez desde 1910. No ano passado foi mais longe e faltou às cerimónias. Estaria a refletir na solução de governo. Centrado sempre tudo nas suas preocupações e humores pessoais, Cavaco não compreende que a nações têm as suas liturgias, que lhe dão estabilidade simbólica. Não compreende que é essa liturgia que determina o seu comportamento nestes momentos de afirmação da memória coletiva, e não o oposto. Que ele é objeto das instituições, não é o seu sujeito. Um conservador, mais do que eu, teria o dever de o entender. Mas acontece com o conservadorismo de Cavaco o mesmo que acontece com o seu autoritarismo: a sua ignorância histórica, a sua estreiteza política e a total incapacidade de abandonar o seu colossal ego impedem-no de ser mais do que ele mesmo.

Dirão: tudo isso não passa de simbolismos. Mas é esta incapacidade de se adaptar ao cargo que ocupa, sendo o cargo perene e ele transitório, sendo o cargo maior e ele mais pequeno, que o levou a fazer o discurso que fez sobre o PCP e o Bloco de Esquerda, não compreendendo que a um Presidente está interdito, no exercício das suas funções, o desrespeito institucional por forças políticas que representam um quinto dos eleitores. Ou que o levou a fazer um discurso de reeleição carregado de ódio pessoal e vingança. Ou que o levou, num dos mais sórdidos episódios da nossa democracia, a mandar um assessor seu espalhar na imprensa que estaria a ser escutado pelo governo sem nunca esclarecer verdadeiramente essa acusação. Ou a pôr os seus conflitos com José Saramago acima da homenagem que o Estado português devia ao Nobel da Literatura. E a condecorar o responsável por um ato de censura a este autor, como pequeno gesto de vingança pessoal. Tudo isto aconteceu pela mesma razão que Cavaco se cita quase exclusivamente a si mesmo: o seu ego é o seu programa político. E esse ego toma conta das instituições, das tradições, das liturgias, das relações com os outros. A sua opinião substitui as regras, as suas embirrações tornam-se embirrações de Estado.

A total incompreensão dos fundamentos da democracia, confundindo convicções pessoais com interesse nacional e separação de poderes com “forças de bloqueio”, e a incapacidade de separar o seu ego do cargo que ocupa, tornando-se ele na própria instituição que dirige, dão a Cavaco o perfil de um ditador em potência. Um ditador primário, instintivo, incapaz de compreender as motivações das suas próprias convicções autoritárias, mas ainda assim um ditador. Faltaria a Cavaco Silva, para além das condições políticas que felizmente o transcendem, quase tudo o que seria necessário.

O modelo de imagem pública de Cavaco sempre foi o modelo austero que a propaganda desenhou de Salazar. Sejamos justos e reconheçamos que não foi o primeiro, em democracia, a alimentar essa imagem. É, aliás, um elemento central nos políticos que mais respeito conquistaram dos portugueses. De Ramalho Eanes a Álvaro Cunhal. O problema é que a imagem austera que Cavaco sempre tentou passar de si é oposta à realidade, ao contrário do que acontecia com Salazar (e Cunhal e Eanes). Cavaco Silva sempre foi, nas despesas ligadas ao seu cargo, um perdulário. Cavaco optou pela sua reforma em vez do salário de Presidente da República que, sendo mais baixo, seria obviamente o indicado para dignificar o cargo. Já para não falar na sua relação promíscua com o BPN, não tendo o episódio das ações sido nunca cabalmente esclarecido. O mesmo homem que inventou Dias Loureiro, Oliveira e Costa ou Duarte Lima, só para pegar nos exemplos mais escabrosos, não pestanejou ao dizer que para ser mais sério do que ele seria preciso nascer duas vezes. Ainda assim, a imagem austera perdurou muito tempo no imaginário popular. Até Cavaco ter dito o que disse sobre o seu salário. Seria mais uma vez o autocentramento nos seus próprios problemas que o iria trair.

As contradições de Cavaco também são programáticas. O mais parecido com o retrato que o Presidente Cavaco Silva faz de um mau chefe de governo foi o primeiro-ministro Cavaco Silva. Se de 1986 a 1989, graças ao crescimento económico garantido pela entrada de rios de dinheiro no país e um enorme crescimento económico, se conseguiu passar de 7,4% para 2,9% de défice orçamental, ele voltou a aumentar para valores superiores a 6% de 1990 a 1995. Ou seja, no pico das facilidades europeias Cavaco conseguiu, quando Maastricht já impunha o limite de 3%, voltar a colocar o défice em valores semelhantes à pré-adesão à CEE. Só depois de Cavaco sair de São Bento se iniciou uma trajetória de redução.

O modelo de desenvolvimento do cavaquismo baseou-se na obra pública sem critério, em distribuir dinheiro sem rigor ou controlo (quem não se lembra dos célebres cursos profissionais?), numa gestão orçamental eleitoralista e na destruição de todas as atividades produtivas em troca de financiamento europeu. Cavaco representou, como primeiro-ministro, uma oportunidade histórica perdida. Não foi o único, mas marcou uma forma de governar. E, no entanto, não encontramos maior arauto da contenção orçamental e das boas contas que o Presidente Cavaco Silva. Ele é o homem que avisa para o futuro depois de o ter ignorado quando era ele que governava. Mais uma vez, estou convencido que Cavaco acredita no seu próprio discurso. Nos vários que foi tendo. Porque Cavaco nunca se engana e, coisa bem mais perigosa, raramente tem dúvidas.

Por fim, falta a Cavaco a mais importante qualidade que se exige a um político, seja um democrata ou um autoritário: a coragem. Não me refiro apenas à coragem política. Até fisicamente Cavaco é cobarde. Viveu sempre tomado pela paranoia da segurança, fazendo exigências insensatas e dispendiosas. Sempre evitou o contacto direto com os cidadãos. Nunca foi ao Parlamento debater com os seus adversários. Tirando nas presidenciais, em que a vitória era incerta e faltar teria sido fatal, são raros os debates com concorrentes eleitorais. E mesmo nos debates presidenciais exigiu que as mesas estivessem viradas para o moderador, evitando o contacto visual com os adversários. A cobardia política e física que sempre revelou é, do meu ponto de vista, o seu traço de personalidade mais desprezível.

Não é difícil, depois destas linhas, escritas por alguém que tinha 11 anos quando Cavaco Silva chegou pela primeira vez a um cargo executivo, perceber que este texto é escrito com tristeza. Tristeza por perceber que alguém com estas características conseguiu, sem precisar de recorrer a grandes talentos oratórios ou a qualquer instrumento de coação, convencer a maioria dos portugueses a entregar-lhe por cinco vezes o poder. Sempre respeitei, por convicção democrática, essa decisão da maioria. Ela deu-lhe absoluta e incontestada legitimidade democrática. Mas sempre me senti oprimido por ela.

O instinto de Cavaco Silva é autoritário. Ele acredita que é o portador do interesse nacional, moldando as instituições aos seus próprios caprichos. Que o debate é ocioso e a divergência perda de tempo. E embrulha tudo isto numa falsa capa austera. Mas faltam a este homem todas as qualidades que se exigem a um autoritário conservador, de recorte salazarista: a cultura histórica que lhe permita encarnar a Nação, a cultura política que lhe permita ter um desígnio para o país e a cultura ética que lhe permita ser um modelo. Cavaco Silva é autoritário apenas porque é demasiado ignorante para compreender as razões profundas da superioridade da democracia e porque é demasiado egocêntrico para compreender a transitoriedade do poder. É autoritário por feitio, não por convicção. Por ignorância, não por predestinação.

Penso que na própria cabeça de Cavaco a imagem do professor de Finanças austero, um autoritário que despreza o debate e encarna em si mesmo toda a Nação, o levou a ver-se como uma espécie Salazar da era democrática. Mas o perfil de Cavaco Silva apenas se assemelha ao de Salazar na medida em que foi, como muitos portugueses da sua geração, moldado nessa cultura. Não tendo outra, apenas juntou ao imaginário do Estado Novo as regras formais da democracia, sem nunca as compreender verdadeiramente. Mas para se comparar à trágica grandeza do ditador falta-lhe tudo o resto: a cultura de quem molda o pensamento dos outros, a disciplina ética de quem é modelo para os outros e a coragem de quem lidera os outros. Cavaco é afinal só Cavaco. A sua tragédia é ser demasiado pequeno para todo o poder que teve. Talvez tenha sido só um longuíssimo equívoco."