quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Os dedos cruzados

Quando era criança e se jurava por tudo e por nada, apenas para se obter um benefício, quase sempre banal e benigno, cruzavam-se os dedos da mão atrás das costas, com receio de algum castigo divino. Passos Coelho com a sua voz maviosa, não acredita que o OE seja possível de concretizar. Segundo o próprio, o enorme aumento de impostos sobre as famílias e a classe média, a austeridade asfixiante e ao mesmo tempo a devolução de apoios sociais, de salários e de pensões vão fazer disparar o défice e a dívida e a terra tremerá sob o castigo divino dos mercados, os cavaleiros do apocalipse e as pragas do Egipto. Adianta no entanto, que espera, para o bem do país, que o governo de Costa consiga cumprir as metas, mas todos vimos, quando abandonou o parlamento, cabisbaixo, os dedos da mão cruzados atrás das costas.
Se Costa conseguir cumprir as metas do défice, ao mesmo tempo que reduz a dívida e o desemprego, e mesmo assim conseguir que o país cresça, isso significará a derrota em toda a linha de tudo o que Passos e Dijsselbloem e Schauble nos ensinaram a fazer. Ou será, que por ironia do destino, as horas passadas por Passos de joelhos em Bruxelas, não seriam elas próprias um auto de fé?...
Porque também já sabemos que o OE que ontem foi aprovado historicamente por toda a esquerda, não pode ser ao mesmo tempo de austeridade e de despesismo. Se é de austeridade não é de despesismo, e portanto o bicho papão socialista da banca rota não pode ser usado. E também não pode ser despesista, afinal aumenta alguns impostos, negociados e aprovados por Bruxelas. E a direita, campeã da austeridade, ainda não conseguiu desatar o nó cego que este orçamento lhe deu. É até capaz de criticar uma austeridade que em nada tem a ver com os últimos cinco anos no país. E isso ninguém consegue compreender. Nem a própria. 
O que é então? É uma geringonça que funciona, que trata as pessoas pelo nome, que não lhes faz mal, que repõe direitos roubados, que diminui assimetrias e desigualdades, que aposta no território como um todo, que cumpre e não afronta a Constituição, que não capitula nem se ajoelha perante Bruxelas. Despreza a inevitabilidade dos coitadinhos, manda às malvas a teoria do empobrecimento como castigo ideológico que usa frases feitas de propaganda paternalista.
A geringonça funciona e não usa sacanices... é chegada a vez da Europa começar a sua reconstrução, ou enfrentar o seu fim. 

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Notícias desta semana que parecem mentira

- O primeiro Ministro ('deputado') Passos Coelho inaugurou esta semana uma escola que já estava a funcionar há 3 anos...

- Cavaco Silva, ainda Presidente da República, condecorou Sousa Lara, o sub-secretário de estado do seu governo, que censurou o único Nobel da literatura em Portugal, Saramago...

- Passos Coelho afirmou esta semana que quando saiu do governo há 3 meses o BANIF dava lucro...

- A ANAC (Associação Nacional de Aviação Civil) chumbou o processo de privatização da TAP feita pelo governo da coligação PAF em período de gestão...

- Passos Coelho e o PSD acusam o governo do PS de aumentar impostos, principalmente sobre a classe média e os funcionários públicos...


segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

OE 2016 - Odisseia no universo

Redução da sobretaxa do IRS = 430 milhões de euros. 
Reposição dos salários dos funcionários públicos = 450 milhões.
Aumento dos apoios sociais como o RSI, CSI e abono de família = 200 milhões.

Total = 1080 milhões de euros de ganho para as famílias.

Agora acrescente-se:
Aumento do salário mínimo nacional = 228 milhões
Redução da Contribuição Extraordinária de Solidariedade = 15 milhões.
Total = 1300 milhões.

Descida de parte do IVA da restauração = 175 milhões
Total =1500 milhões.

Deixando até de fora a redução das taxas moderadoras e o grande alargamento da tarifa social de eletricidade.
Nos impostos sobre as famílias, onde entram automóvel, combustível, tabaco e crédito, temos uma perda que andará próxima dos 450 milhões. Ou seja, é verdade que o governo dá com uma mão o que tira com a outra. Mas dá muito mais do que tira. O orçamento após a negociação com Bruxelas não passou a ser o oposto do que era. Podem dizer que é 'austeridade de esquerda', podem dizer muitas coisas, mas não é, com toda a certeza, a continuação do que tivemos nos últimos cinco anos.

"Orçamento de Costa sob fogo cerrado", "Troika receia regresso ao passado. Fitch volta a ameaçar com corte de rating.", Diário Económico
"Lá fora e cá dentro ninguém acredita no orçamento de Costa e Centeno", jornal  I. 
"Bruxelas ameaça com sanção inédita", Jornal de Negócios. 
"Nova crise por um fio", Sol. 
"Alerta: governo tem até amanhã para convencer Bruxelas", Diário de Notícias. 

E logo vieram os economistas paineleiros apregoar o fim do mundo, com Medina Carreira à cabeça a anunciar o segundo resgate, que já anuncia desde que houve o primeiro, ansioso por poder dizer um dia, num futuro mais ou menos longínquo e incerto, que bem tinha avisado.
Enfim, o mundo ia desabar só porque o governo fez uma coisa que se tinha dito que não podia ser feita: negociou mesmo com Bruxelas. E o orçamento de Centeno é um documento que ficará nos anais da história e da economia. É o mais perigoso projecto que a humanidade tentou realizar, com efeitos imprevisíveis à escala mundial.
Mas como se chegou a um acordo, aquilo que era um conjunto de medidas despesistas, “uma gestão de pré-eleições”, nas palavras do político-banqueiro-reformado Mira Amaral, passou a ser um orçamento de austeridade. Mas, o Orçamento não passou a ser o exato oposto do que era. Costa é um negociador e um executor como poucos, por muito que os abutres por cá, nos mercados e na Alemanha tentem dramatizar. Resumindo, para a direita revanchista, para os abutres de Bruxelas, das agências de rating e do sr. Schauble, o orçamento do PS seria sempre ou despesista, ou com pouca austeridade, ou com austeridade igual ou maior que os anteriores. Seria sempre um mau orçamento, porque a ninguém interessa a esquerda no poder, a dar mais atenção e protagonismo às pessoas do que aos juros da dívida e afins...
Aliás, é tempo de se começar a discutir com seriedade, que tipo de Europa queremos, porque esta, subserviente a interesses económicos e financeiros, não interessará a um número cada vez mais maior de pessoas, e que já se pôde ver nas eleições em Portugal, na Espanha, na Itália, na Grécia... A substituição da política pela economia e pelos diktat's ao seu serviço está a minar a confiança na UE e nas suas instituições. Se não mudar de rumo irá fazer desabar a melhor ideia que a Europa foi capaz de ir realizando ao longo dos últimos 60 anos, alcançando uma paz inédita entre os seus povos.
Quanto ao PSD e CDS. Retiraram o CSI a 70 mil idosos, o RSI a 170 mil pessoas, entre elas mais de 50 mil crianças. Aumentaram o IRS em 3940 milhões e até, imagine-se, o imposto sobre os combustíveis. Depois de dizerem que o esboço era despesista, e após o acordo com Bruxelas que de todo não esperavam, e se calhar não desejavam, dizem agora que o orçamento retira rendimentos às famílias. É preciso ter lata... Mas mesmo muita lata...

P.S.- Esperemos que a vitória do FCPorto na Luz não faça disparar os juros da dívida...