quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

A novela da CGD

O ódio visceral e estritamente ideológico de Passos Coelho a tudo o que é sector público é antigo. A política de terra queimada e de privatizações que esbulhou o país nos anos da troika é a prova disso. Assim como o ataque cerrado ao Estado Social. Não conseguiu chegar à CGD e à água. Mas era essa a intenção. Chega a ser confrangedor ouvi-lo a falar de radicalismo de esquerda. Quando a direita que governou nos últimos anos foi a mais radical de sempre. Não admira o desprezo dos sectores mais moderados do PSD, de Marcelo, passando por Ferreira Leite, a Pacheco Pereira.
A novela da constituição do conselho de administração da CGD e dos seus salários foi um embaraço para o governo, sem dúvida. Mas a única razão pela qual está há seis meses sob os holofotes mediáticos e no centro do debate é porque o PSD e o CDS não têm mais nada a que se agarrar. Não é a economia, não é a política, não é a sociedade, não, é a CGD. E com efeitos nefastos na situação do ainda único banco público, com caráter de extrema importância no definir da estratégia sectorial financeira e bancária do país. Pois foi assim mesmo, que a direita, sem qualquer pudor, propôs a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito em plena negociação em Bruxelas para a recapitalização do banco público. Recapitalização já autorizada por Bruxelas (e os muitos que duvidaram) e urgente. Na ânsia de se manterem à tona, o PSD e o CDS, são capazes de se agarrar a qualquer caso e fazer render o peixe até à exaustão.
Só que daí pode advir um problema maior, para eles claro, porque o país, e a CGD, e tudo o resto pode-se lixar (para usar a terminologia de Passos). E o problema, é que esgotado o caso, Passos não tem mais nada para dizer. Não tem qualquer estratégia, pensamento ou ideia que não seja gerir os casos e casinhos e tentar tirar daí os dividendos que puder.
Chegado a esta fase, o feitiço começa a virar-se contra o feiticeiro. António Costa acusou-o de ter empurrado o problema da CGD com a barriga. Logo PSD e CDS vieram a terreiro exigir provas. E não é que elas existiam mesmo. Durante seis meses,  Maria Luís Albuquerque guardou na gaveta dois pareceres da Inspeção-Geral das Finanças relativos a relatórios trimestrais da comissão de auditoria da CGD e o governo só os despachou 15 dias antes das eleições. Por razões eleitoralistas, obviamente. O mesmo aconteceu com o BANIF. E assim se geriu um país. Passos não passará de uma nota de rodapé nos livros de história...



terça-feira, 13 de dezembro de 2016

As opções do grande plano

O OE para 2017 aprovado por toda a esquerda parlamentar não é o melhor, mas também não é mau. É o possível. Foi alimentado de casos e casinhos inventados pela direita, apegados a qualquer coisinha que os possa manter à tona.
Ainda antes de se conhecer o próprio documento, já a direita se punha em bicos de pés, atirando em todas as direções possíveis e imaginárias. O caso do imposto 'Mortágua' como ficou conhecido, é todo um 'case study' de como se pode criticar violentamente uma medida justa, sem qualquer ponta de vergonha, mesmo tendo defendido essa medida no passado. É preciso ter lata e muita, mas mesmo muita incoerência.
No ano passado, o PSD como se sabe, ainda combalido com o coelho que Costa tirou da cartola, a famosa geringonça, absteve-se de fazer qualquer proposta de alteração ao então OE para 2016. Eis as suas opções à época:


Eis as opções do PSD para o OE de 2017:


Nisto o PSD é coerente, e é aquilo que já se sabia, é contra as pessoas, contra tudo o que mexa e seja do domínio público e contra qualquer tipo de apoio social. É a cartilha de Passos Coelho em todo o seu esplendor. Em boa hora saiu pela porta mais pequena. Em breve desaparecerá pela dos fundos.

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Fidel

Fidel Castro morreu e com ele morreu a memória do que poderia ter sido a revolução cubana. Uma revolução adiada porque Castro foi um ditador. Ponto final. Parágrafo.
A revolução cubana chegou a ser libertadora. Educação e saúde para todos, como não há igual no mundo. Derrubou outro ditador, Batista. Impôs-se ao cerco norte americano, que tratou como colónias toda a América Central e do Sul, que depôs Allende e o substituiu por Pinochet, que tentou por variadas vezes invadir Cuba, que lhe impôs um bloqueio imoral, que tinha apoiado Batista, que apoiou a ditadura sanguinária de Somoza na Argentina. Que apoiou durante décadas financeira, política e militarmente todo o tipo de despotismo no continente americano. Fidel não se vergou...
Mas depois veio a repressão, e com ela foi-se a democracia e a liberdade. E mais tarde a segregação, não nos termos que se conhecem da ditadura de Hitler, mas a segregação higiénica entre o povo cubano e a horda de turistas que podiam ter acesso aos bens essenciais que faltavam aos nativos.
Quem não governa com o povo, nunca se poderá regenerar. Apesar da ditadura de Castro ter sido diferente de muitas outras, não há boas ditaduras, e o povo cubano está e continua na miséria. 
Toda a iconografia cubana, da revolução, de Che, de Fidel, é a imagem de marca de um sonho adiado. De uma possibilidade frustrada. De uma alternativa que não funcionou. Fidel Castro era um ícone, um líder. Mas um ícone e um líder ditador... assim ficará na história.

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Com o diabo à espreita

Orçamento do Estado para 2017 aprovado em Bruxelas? ✔
Orçamento do Estado para 2017 aprovado sem necessitar de qualquer medida adicional? ✔
Encerramento do processo por défice excessivo? ✔
Encerramento do processo de sanções a Portugal? ✔
Crescimento da economia? ✔
Maior crescimento do PIB no 3º trimestre de toda a zona euro? ✔
A geringonça funciona? ✔
Passos Coelho ainda à espera do diabo? ✔✔
Passos Coelho vai ter que esperar sentado até cair da cadeira? ✔✔✔



segunda-feira, 14 de novembro de 2016

sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Trumpalhada

Trump venceu as eleições americanas... Este título há uns anos faria rir muita gente. Hoje ninguém se ri. A não ser os idiotas que nele votaram. Não há volta a dar. Só podem ser idiotas, para não dizer outra coisa. Alguém que diz que as mulheres devem ser tratadas como merda, que diz que vai erguer um muro na fronteira com o México, que diz que vai proibir a entrada a mais imigrantes, especialmente os muçulmanos, que afirmou que se fosse eleito mandaria prender a sua oponente, que diz que o aquecimento global é uma coisa inventada pela China, que é xenófobo, racista, populista, fascista e misógino, alguém que diz o que diz e pensa assim não pode ser eleito para coisa nenhuma, quanto mais para o cargo mais poderoso do mundo. Quem apoia e vota numa pessoa assim não pode merecer respeito. Ou é completamente ignorante, tal como Trump, ou não é, e então é como ele. Milhões de americanos são assim, ignorantes, quero crer.
Importa agora, chegar ao fundo da questão. Porque é que isto aconteceu? E não vale a pena dizerem que aquilo foi tudo show off de campanha. Os discursos do homem vão ser sempre um murro no estômago. E vamos vê-lo e ouvi-lo inúmeras vezes.
O fenómeno, nestas eleições, não era apenas Trump. Era também Clinton. Não poderia haver escolha mais falhada para uma oposição a Trump do que um dos maiores símbolos de tudo o que a maioria dos norte-americanos queria recusar.
A verdadeira razão para a eleição de Trump, é a mesma que surge na Europa. É a ruptura entre a política e as sociedades ocidentais, resultado da longa crise económica e financeira e da globalização que deixa grande parte dos cidadãos de fora.
A insegurança e o medo, as desigualdades, o desemprego, a perda de rendimento, a austeridade, o endividamento e a dívida. A globalização que tinha a virtude de aproximar pessoas e mercados, rapidamente se transformou e subverteu. Desregulou-se o capital e a economia passou a mandar na política. Os mercados orientais entraram-nos pela porta adentro, fazendo uma concorrência impossível de acompanhar pelas nossas empresas. O grande capital financeiro das grandes empresas passou a recrutar no oriente a sua mão de obra, mais barata para minimizar custos e aumentar lucros. O emprego ficou aqui mais caro e a consequência foi o aumento brutal do desemprego. A crise financeira, causada pela total desregulação do mercado rapidamente tomou conta dos estados e dos países.
As pessoas assustaram-se e maltratadas pela globalização estão disponíveis para ouvir e apoiar quem lhes prometa mudança. Com ou sem princípios. Com ou sem conhecimento. O problema é que essa mudança não vem de quem deve vir, num sistema político falhado e paralisado, Nos EUA como aqui.
Usando a demagogia, Trump conseguiu dar uma resposta, ainda que assente em falsidades, aos anseios de milhões. A eleição de Trump é mesmo uma mudança histórica. A sua chegada à Casa Branca criará um clima insuportável de tensão racial no país. Um homem que não acredita no Estado de Direito terá um poder decisivo na constituição do Supremo. Os muçulmanos não esquecerão nada do que Trump disse e os norte-americanos voltarão a ser insidiosos na luta contra o terrorismo. O combate às alterações climáticas recuará e o preço será pago pelos nosso filhos e netos. O mundo ficará ainda mais perigoso porque Trump não acredita na democracia, apesar de ser um filho da globalização.
O mundo está a caminhar para aqui. Líderes populistas e de pensamento fascista, que conseguem capitalizar por essa via o descontentamento popular, transformando-o em poder pessoal anti-sistema.
Vivem-se tempos negros, e se não aparecerem líderes capazes de dar resposta ao ímpeto de mudança que as pessoas desamparadas exigem, que não consigam serenar e diminuir as desigualdades, que não lhes inspirem confiança, que não usem o sistema a seu favor, mas a favor dos votantes, temo o pior... Não sei se depois de Trump ainda iremos a tempo...

quinta-feira, 3 de novembro de 2016

A agenda que regressa

A Comissão Europeia enquanto comandada por Durão Barroso e já no tempo de Juncker, tinha um acordo secreto com a França para a ajudar a encobrir os défices excessivos. Passava assim a França por país cumpridor. Mais ou menos como o Lehman Brothers fez com as contas da Grécia. O Lehman Brothers para onde foi o Durão trabalhar. Não há coincidências...
Mas, como disse um dia Schauble "A França é a França". E Herr Schauble, o arrogante e xenófobo ministro das finanças da Alemanha, cada vez que abre a boca é para amesquinhar os mais pobres, os mais indefesos, as nações europeias que nunca destruíram a Europa como o seu país fez por duas vezes, e que agora pretende enterrar-nos na sodomia financeira dos ricos e poderosos. As nações que se afundaram numa moeda que cultiva a divergência económica e social entre os povos que deveria unir. Iludidos por promessas de desenvolvimento e união. Confiantes em completar o ideal europeu.
Herr Schauble não gosta de latinos, nem de gregos, tal como outros no seu tempo não gostaram de judeus, negros e ciganos. O racismo e a xenofobia são as armas que voltam à propaganda e à agenda política. O golpe no Brasil, a incrível possibilidade de Trump, os Herrs...
Assim vai a Europa dos czares e dos chanceleres. O Reino Unido tem à partida um povo bem mais inteligente do que aquilo que seria de esperar. E se discordei do BREXIT, neste momento nem sei se concordo com a UE. Essa, onde todos os dias e todas as noites morrem milhares de refugiados nas suas costas.
A agenda política dos herr's e dos chanceleres, vira-se então para os mais indefesos. Ameaçam com castigos e têm nos media por eles controlados, a sua voz da propaganda. A Comissão Europeia podia ter um comissário da propaganda, a lembrar tempos mais sombrios, que estão de volta, ninguém duvide.
Veja-se o caso português, que de tão bom aluno em querer ir mais além que a troika, não quis renegociar a dívida e agora paga por ano mais 1% de juros que a própria Grécia!, deixou o seu sistema bancário por capitalizar, e endereçou o problema para o governo que viesse a seguir fechar a porta. O Banif e a CGD certamente bombas nas mãos do anterior governo, estavam como se desconfia agora, protegidos pela CE e por Schauble para a saída limpa, com a esperança de serem eleitos outra vez, para continuar as políticas de terra queimada de comissários e alemães. Schauble, que não cala a cremalheira, lá veio dizer mais uma vez, muito aziago e sem esconder o fel dos dentes, que o governo anterior é que era... Eu percebo, caro Herr, o Costa não estava nos planos... e ainda há quem resista ao desmantelar do estado social europeu!
Aliás, o caso de Sérgio Monteiro, nomeado “vendedor” do Novo Banco por um governo demissionário de que era secretário de Estado e que quase todos põem em causa as suas habilitações curriculares para a tarefa, está a receber, para fazer ninguém sabe muito bem o quê, quase 30 mil euros mensais. António Domingues foi nomeado para presidente da CGD por este novo governo, com a missão urgente de tratar da sua recapitalização. Vai ganhar um salário segundo o mercado. Ninguém critica a sua competência técnica e profissional. Mas eis que, a agenda política da direita mesquinha de Passos e Cristas, habituados a lamber as botas da direitalha alemã, logo tratam de pôr na agenda mediática o salário do gestor da CGD, arredios de saber se isso será contra os interesses da Nação, pois a recapitalização da CGD é uma urgência que não lhes assiste. A sua agenda política, acouraçada na agenda mediática, dá para ir fazendo casos e casinhos de coisas que não deveriam ser assunto. O populismo é assim e a isso obriga. Nos sites do “Público” e do “Diário de Notícias” as referências ao salário de António Domingues foram cinco vezes superiores às do salário de Sérgio Monteiro. Nos do “Expresso” e da TSF foram três vezes mais. No do “Correio da Manhã” seis. Nos canais de televisão a proporção deverá ser ainda mais 'favorável' a Domingues. A desproporcionalidade de tratamento entre este governo e o anterior leva a desconfiar de parcialidade que já todos sabemos existir em toda a comunicação social, porque ela também está a soldo dos grupos económicos que são seus donos. Daí a tentativa de Passos em privatizar a RTP e tudo o que mexesse. Directivas ideológicas, lesa-pátria, criminosas, para agradar aos fascistas no poder.
Assistimos a um cerco político que resulta, antes de tudo, do facto de António Costa ter integrado o PCP e o Bloco no arco da governação, dando muletas a uma esquerda coxa há mais de 40 anos. Essa é a razão de fundo para a parcialidade da comunicação social, que foi especialmente visível nas vésperas do Orçamento de Estado, onde cada pequena informação ou sugestão foi transformada num assunto nacional para depois do Orçamento apresentado (e esvaziadas quase todas as polémicas) rapidamente passarmos para outros assuntos e pequeninos escândalos. Até se chegar ao ridículo de se dizer que o Orçamento para a Educação tinha sido reduzido, alimentou-se a comunicação social e os 'paineleiros' e depois analisam-se os gráficos e afinal aumentou 180 milhões de euros.
Vão continuar a criar casos, a alimentar escândalos, a fomentar os media. Até se afundarem nas suas próprias vísceras...

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

O Nobel dá música

Colocar Bob Dylan no mesmo nível de Yeats, Bernard Shaw, Thomas Mann, Hesse, Faulkner, Churchill, Hemingway, Camus, Steinbeck, Sartre, Beckett, Neruda, Garcia Marquez, Saramago, Grass, Vargas Llosa, entre outros, é roçar o ridículo.
Aberta a caixa de Pandora, Axl Rose, Bono e até quem sabe Abrunhosa, poderão em breve surgir como potenciais vencedores.
A academia sueca do Nobel está a conseguir destruir o prestígio que representa o mais alto galardão ao nível planetário. Como já tinha feito aquando da entrega do Nobel da Paz a Obama acabado de chegar à Casa Branca, e à UE, essa grande instituição de solidariedade...

sábado, 8 de outubro de 2016

O esgoto humanóide


A resposta que todos os 'hijos de puta' mereciam. De toda a gente. Em todo o lado. Porque não vale tudo, porque o dinheiro, as vendas e o lucro não podem justificar tudo. A polémica. o choque, a devassa, o escândalo e o voyeurismo são as armas predilectas do produto que vende, do mercado que exige. E a banalização dos tablóides não pode ser normalizada por aqueles que têm o dever de guardar a ética e a moral. O dever de informar diz respeito à liberdade de imprensa e de expressão. Mas no mundo global de hoje, sem escrúpulos, sem filtros, os 'TRUMPetistas' tocam e a caravana passa. Se não estamos a ficar mais estúpidos, estamos mais estupidificados... Sim, porque quem come e cala são neste momento a esmagadora maioria da chamada opinião pública. Que tem opinião sobre tudo, mas não sabe de nada. Que compra religiosamente o Correio da Manhã e vê o 'Secret Story'. Os Saraivas que por aí soçobram, ignorantes e abjectos, com um cartão qualquer na mão que lhes dá o direito de escrever qualquer coisa, vender qualquer coisa, regurgitar qualquer coisa, sem saber o que dizem, na impossibilidade de dizer o que não sabem... 

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Celebre-se

5 de Outubro. Feriado. Dia da República. Não honraremos o país e as pessoas se não honrarmos os seus símbolos e instituições. Quer se queira quer não, Portugal é uma República, e ao celebrar a sua instituição estamos a celebrar as suas instituições. Democráticas e livres. É por isso que se fazem feriados. Para que não haja esquecimentos.
Cereja no topo do bolo. António Guterres, eleito para o mais alto cargo da ONU. Um orgulho enorme para Portugal, com a certeza de que venceu o melhor candidato por mérito próprio.
Merkel e Juncker aprenderam que não se podem comportar no mundo com recurso aos mesmos truques a que recorrem na política europeia. A Alemanha aprendeu uma dura lição e o presidente da Comissão Europeia caiu no ridículo com a já famosa licença sem vencimento da Kristalina. Uma rapariga armada com a chico-espertice saloia de quem foge ao exame escrito e vai directamente à oral por portas travessas.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

A classe média dos ricos

Por norma ninguém é a favor de aumento de impostos ou da criação de novos impostos. Não fujo à regra. Mas a celeuma com o ainda projecto de tributação de património acima de um milhão de euros parece até mentira. Isso ou então há muita gente por aí com património desse valor ou acima. Se calhar dissimulado. Isso e a divulgação de tal projecto ter sido protagonizado por Mariana Mortágua, uma perigosa 'comuna', alvo de ataques pessoais, ignorantes e cobardes.
A direita apareceu indignadíssima com o ataque "monstruoso" que a geringonça se prepara para fazer à classe média. Parece que um imposto sobre um património imobiliário avaliado anualmente num milhão de euros acordou a direita para uma “política para as pessoas, as da classe média”.
Em matéria de escolhas políticas fiscais e de cortes de rendimentos, o último governo entendeu que um pensionista e funcionários públicos com uma pensão de 600 euros eram classe média, pelo que decidiu cortar definitivamente dois meses da vida dessas pessoas. Esse ataque ao conceito de classe média do então governo laranja e azul só não foi definitivo porque 17 deputados do PS e BE e, depois, todos os partidos da esquerda impugnaram a infâmia junto do TC.
Em matéria de conceito de classe média, o anterior governo tinha por rico a abater fiscalmente, com o seu enorme aumento de impostos, gente com rendimentos abaixo dos mil euros brutos mensais, disse ter aumentado as pensões mínimas, nunca dizendo que o fez à custa do esbulho do Complemento Solidário para Idosos, tinha preparado um corte de 600 milhões de euros nas pensões, introduziu a sobretaxa no IRS, que a geringonça eliminou contra a vontade dos súbitos puritanos, opôs-se no último OE à redução do IRS sem aumentar o IRC, isentou de impostos os fundos de investimentos imobiliários, que a geringonça fez acabar, está contra o aumento do salário mínimo, contra a reposição do valor do Complemento Solidário para Idosos e do valor de referência do Rendimento Social de Inserção, para um total de 440 mil portugueses.
É confrangedor ver o PSD e o CDS a falarem de classe média quando olhamos para as suas escolhas políticas enquanto governantes. Quem rebentou com a classe média foi precisamente o governo anterior.
Neste momento e à míngua de argumentos, redescobriram a classe média, numa deriva populista que tão só visa a sobrevivência política de Passos e Cristas. E chega à idiota conclusão que agora a classe média não é quem ganha 600 euros, como no passado, é quem tem um património imobiliário anual avaliado em mais de um milhão de euros.
E o que significa afinal deter património avaliado em mais de um milhão de euros? Uma mansão? Dez apartamentos? Quatro casas de luxo? Um prédio, ou dois, ou três?
Onde estavam estes senhores da 'classe média' quando se cortaram salários, pensões, reformas, apoios sociais e se taxaram os mais pobres?
Esta medida prova que finalmente se está a mexer com os mais poderosos, com os mais ricos, e com alguns biltres que lucram com a desgraça alheia.
Se não achasse inconstitucional, seria cem por cento a favor do levantamento do sigilo bancário e aí sim podiam ter a certeza que muita gente teria que prestar contas, quase todas à justiça.
Em matéria de coerência Passos Coelho já nos habitou à falta dela... e nem vou perder tempo com a porcaria em que se meteu com a certa, hipotética e gorada apresentação do 'livro' do arquitecto Saraiva...


quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O modelo experimental europeu

Terminada a chamada silly season, passou ao lado de muita gente o relatório pedido pelo FMI sobre o programa da troika em Portugal. E não terá sido inocente. Não diz nada que já não se tivesse dito. Foram muitas as vozes a chamar a atenção dos erros flagrantes do chamado plano de resgate, das prioridades trocadas, da destruição do tecido económico que inevitavelmente aconteceria, do desemprego e emigração que provocaria.
Essas e muitas outras críticas foram feitas antes da sua implementação e, sobretudo, quando eram já mais que óbvias as falhas do programa. O próprio Vítor Gaspar as reconheceu na sua célebre carta de despedida. O próprio FMI já tinha noutras ocasiões admitido vários erros.
Nesse relatório o que lá está é o seguinte: o programa da troika falhou em toda a linha. Ponto. Os pressupostos estavam errados, enganaram-se nas fórmulas e nos seus efeitos e, claro, nenhum dos problemas estruturais da nossa economia melhorou, a sustentabilidade da dívida pública e da balança continua tão débil como antes e até o crescimento das exportações - visto como um dos sucessos do programa - ou o celebrado regresso aos mercados - os autores do relatório com uma mal disfarçada vergonha sugerem que não será evidente que isso não tenha sido consequência das políticas do BCE - em nada esteve relacionado com a malfadada receita. Ou seja, ajudou-se a destruir o nosso sistema bancário e, surpresa das surpresas, chega-se à conclusão de que uma restruturação da dívida teria sido uma medida bem vinda.
O pior de tudo não é perceber que se mandaram para o desemprego milhares de pessoas, não foi termos perdido milhares para a emigração, não foi só ver o factor trabalho humilhado com a aposta em salários baixos, não terá sido a aposta no empobrecimento, não foi por a receita ter produzido um país ainda mais desigual e mais injusto.
O que mais choca no relatório não é a assunção dos erros, é perceber a ligeireza com que se fizeram experiências com as vidas das pessoas, como meras cobaias ao serviço de uns senhores que nunca tinham testado uma fórmula, e com a cobertura de um ex-primeiro Ministro que serviu em bandeja um país inteiro e que continua interessado no insucesso do atual modelo em gestão.
E depois, e ainda segundo o FMI, o Deutsche Bank é o maior risco sistémico em todo o mundo. Mas não deixa de ser curioso que, com uma bomba relógio em casa, Shauble tenha obrigado a Europa a entreter-se com a destabilização de Portugal. Se essa bomba lhe rebentar nas mãos, os famigerados limites do défice serão uma brincadeira de criança e a Alemanha voltará a violar esses limites, como já o fez por várias vezes e sem qualquer sanção ou sequer ameaça.
Desde o Brexit que a Alemanha intensificou o bullying sobre Portugal. O objetivo é mostrar mão firme depois da debandada britânica ou criar problemas a um governo que não lhe agrada. E a direita portuguesa, responsável pela derrapagem do défice do ano passado, volta-se a comportar como o cordeirinho degolado e de joelhos à espera que alguém lhe venha um dia a dar razão.
Basta ver os novos empregos da nossa anterior Ministra das Finanças e do anterior Presidente da Comissão Europeia para se perceber de que lado estavam enquanto nos ‘governavam’. O código de ética não pode ser só para alguns, deveria ser para todos.

P.S. – Costumo dizer em tom de brincadeira que os heróis que conheço estão todos mortos. Mas conheço uns quantos bem vivos, os nossos bombeiros, bem hajam...

Publicado hoje no semanário 'A Voz de Chaves'


quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Tirado da net - Um aldrabão com tempo de antena pode ser perigoso


"Tal como prevíamos ontem, a mentira acerca da alteração no cálculo do IMI já deu várias voltas a Portugal, alimentada pelo ignorante populismo de quem diz que o Governo quer "taxar o sol".
A realidade objectiva não importa e o facto de que a maioria dos proprietários até verá o valor do seu IMI a descer também não. A simplória indignação nas redes sociais sobrepõe-se à racionalidade. E há sempre um José Gomes Ferreira pronto para comentar o assunto no noticiário da SIC, alegando que esta alteração ao cálculo do IMI é uma forma do Governo arrecadar mais impostos para equilibrar as contas públicas, quando o imposto do IMI nem sequer reverte para os cofres do Estado, mas sim para as autarquias.
Meia dúzia de jornais criaram o sensacionalista título de que o Governo vai taxar o sol, José Gomes Ferreira ajuda à festa, mentindo com todos os dentes que tem, e o país, confuso e legitimamente preocupado, cai na esparrela da "austeridade de Esquerda".
Vamos a 30 segundos de serviço público e esclarecimento? Vamos a isso:
- A alteração só incide sobre novas casas. O IMI sobre imóveis já existentes só será alterado se o proprietário deliberadamente solicitar a reavaliação do seu imóvel. Ou seja, proprietários que façam a simulação e verifiquem que o valor do seu IMI subiria não terão problemas, pois basta não pedirem a reavaliação para não terem aumento de IMI.
- Por outro lado, todos os proprietários que verificarem que a reavaliação do imóvel desceria o valor do seu IMI terão apenas de solicitar essa reavaliação, que produzirá a redução do imposto.
- É verdade que, além dos proprietários, também as autarquias poderão solicitar a reavaliação do IMI. No entanto, essa reavaliação só pode acontecer se avaliação mais recente tiver mais de três anos e se a própria autarquia tomar essa iniciativa. Portanto, ao contrário do que dizia José Gomes Ferreira, no seu espaço de propaganda, na SIC, o Governo nada ganha com esta alteração.
- Na prática, o que esta alteração significa é que imóveis com maior valor de mercado poderão pagar mais IMI, se o proprietário tomar a iniciativa de pedir a reavaliação, enquanto que imóveis com menor valor de mercado terão o seu IMI reduzido, pois será do interesse do proprietário solicitar a reavaliação.
- Isto é uma medida de justiça elementar, completamente de acordo com o princípio da progressividade dos impostos: quem tem mais, paga mais. Quem tem menos, paga menos. É simples.
- São os próprios fiscalistas que admitem que há imóveis a pagar um valor de IMI superior ao que deveriam estar a pagar, devido à falta de critérios de qualidade e conforto que incluam a localização e a operacionalidade relativa dos imóveis. Com esta alteração, o Governo melhora os critérios que acrescentam equidade ao cálculo do valor do imóvel, e o respectivo IMI.
- Esta alteração é mais que justa, pois não faz sentido que, por exemplo, os moradores de um prédio com vista orientada para o mar paguem o mesmo valor de IMI que os seus vizinhos nas costas do prédio, cujo apartamento tem vistas bem menos privilegiadas e um valor de mercado claramente inferior.
- Por fim, parem lá com a parvoíce de que o Governo está a taxar o sol. Afinar o cálculo e os critérios dos coeficientes de qualidade e conforto é uma forma de reduzir a subjectividade deste imposto e de aumentar o princípio de justiça social que tem subjacente. Uma casa com centenas e centenas de metros quadrados de área paga um imposto superior ao de uma casa de 40 X 30 m e nem um aldrabrão como o José Gomes Ferreira se lembraria de dizer que o Governo está a taxar o espaço no planeta Terra, certo?"

O site Economia e Finanças explicou a alteração ao Código do IMI ponto por ponto, com ligações para todos os documentos relevantes. Poderão encontrar a explicação aqui:

quinta-feira, 30 de junho de 2016

A geringonça espanhola


Em Espanha já se realizaram duas eleições e estão há mais de 6 meses sem governo. Falta-lhes um Costa para pôr a geringonça a funcionar... Ai se fosse em Portugal? Quantos santos já teriam caído do altar?! 
A inteligência de António Costa foi a de mudar a estratégia do PS antes que o PS ficasse numa situação muitíssimo mais frágil, como está a acontecer a muitos partidos socialistas por essa Europa fora. Quem acusa Costa de estar refém do resto da esquerda devia olhar para Espanha e para a situação do PSOE...



sexta-feira, 24 de junho de 2016

BREXIT


As divergências económicas e fiscais egoístas que dinamitaram o modelo social europeu, todas as ingerências e castigos, o abandono da solidariedade, tendo como exemplo máximo a não resposta à crise dos refugiados, as ameaças de sanções por ministros das finanças de um país contra os outros, fizeram implodir por dentro e por culpa própria todo o ideário da Europa unida que trouxe décadas de paz e desenvolvimento social e económico.
As regras que a uns são impostas e a outros esquecidas, a desigualdade por oposição ao caminho trilhado da integração, os vistos prévios de tecnocratas que ninguém elegeu, a substituição da política pelo mercantilismo dos números que torcem e fazem cair governos, que atropelam e substituem por marionetas de mão. Mandadores sem lei que impõem crivos ideológicos contra programas de governos eleitos, e que cujo conceito de democracia se desvia à luz do mais forte. Tudo isto minou as fundações da UE e fez sobressair o populismo e o nacionalismo das extremas, esquerdas ou direitas.
Sobrou o medo, a chantagem, a xenofobia e o racismo. A forma como a Grécia foi enxovalhada e vergada foi o princípio do fim. E o problema que era o governo de esquerda em Portugal...
A saída do Reino Unido pode também causar mossa no próprio, com divisões que se adivinham na Escócia e na Irlanda do Norte, e em abono da verdade se diga que o Reino Unido nunca esteve com os dois pés na UE. Os nacionalistas estão no palanque a exigir referendos na Holanda, na França e por aí fora... A Alemanha caminha sozinha há quase uma década, e prepara-se para ficar sozinha. A UE tal como a conhecemos começou a acabar com as crises das dívidas soberanas, continuou hoje com o Brexit, terminará em breve. A triste realidade que transformou um europeísta em eurocéptico. Os muros costumam nascer assim, como alguns que crescem por aí. Outros muros se levantarão, se não se arrepiar caminho e se não se souber convencer o povo que a democracia é o caminho que garante a liberdade, ao invés do medo, do racismo e da xenofobia...

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Ronaldo e eu...



... temos uma coisa em comum...

O total desprezo pelo Correio da Manhã e pela CMTV... Não levando aqui em consideração se a atitude foi a melhor...

sexta-feira, 27 de maio de 2016

Quem é Schauble?

Espera aí! Mas as políticas dos últimos 4 anos, tão elogiadas pelo velho Schauble, agora merecem castigo?
O défice excessivo de 2015 em Portugal, de que o governo português actual não é responsável, como é óbvio, porque só governou em Dezembro, merece castigo?
Ou é só por ser um governo que escolheu outro caminho?
Mas Schauble por acaso é Presidente ou Primeiro-Ministro da UE?
E a Alemanha de que Schauble é Ministro das Finanças tem cumprido as regras do défice? E as outras regras?
E a Alemanha manda e os outros obedecem, ainda que moralistas sem moral?
É justo e equitativo pôr todos os países da zona euro no mesmo saco?
Que UE afinal queremos?
Existe de facto solidariedade e igualdade entre Estados?
Quem é Schauble?


quarta-feira, 25 de maio de 2016

Quero um contrato de associação só para mim

Não existe mal nenhum no debate público e mediático. Mas ter escolas públicas a meio gás, que inflacionam o custo médio por aluno, enquanto se financiam escolas privadas ao lado, é criticável à luz de qualquer posição ideológica. O argumento da liberdade de escolha é um argumento estafado. Há liberdade de escolha se existir uma escola pública ao lado de uma escola privada. Não se pode confundir isso com o facto de essa escola privada ser financiada pelo Estado. Quem escolher a escola privada, onde exista uma escola pública nas imediações, tem que pagar por isso. Não tem que ser o Estado a financiar a iniciativa privada.
A igreja católica, que beneficia deste privilégio, veio a terreiro criticar a opção do governo. Mas onde estava a igreja católica quando milhares empobreceram, emigraram e perderam o seu emprego e dignidade no mandato do anterior governo?
Espero que o ministro da Educação não recue e que de forma faseada acabe com o pagode. Porque estamos a falar de educação e crianças. Mesmo as do papá e da mamã. Porque essas escolas barram à entrada os alunos problemáticos. Esses dão muito trabalho, ainda que o Estado pague...

Será esta a melhor forma de debater o assunto? Não me parece...


segunda-feira, 9 de maio de 2016

Fim de semana transmontano

Os custos da interioridade podem ser difíceis de combater. Só com boa vontade, muita boa vontade por parte do poder central, tais custos podem ser mais ou menos esbatidos.
Neste fim de semana foi inaugurado o túnel do Marão. Uma obra que após vários anos de avanços e recuos permite esbater distâncias e assimetrias. Fez bem António Costa em convidar os seus antecessores para a inauguração. Sócrates foi quem lançou a empreitada, Passos continuou-a e coube a Costa terminá-la. O que devia estar na mente de todos era precisamente o dia de festa que representa para a região e não fait divers mais ou menos enviesados. Passos não se quis associar a tal festejo e optou por arranjar uma desculpa mal amanhada dizendo que nunca inaugurou obras enquanto primeiro Ministro. Mentiu e saiu mal na fotografia. Inaugurou pelo menos a nova sede da PJ em Lisboa e o novo museu dos Coches também na capital. Chegou a inaugurar, pasmem-se, uma escola, na qualidade de líder da oposição. Passos, nascido e criado em Vila Real, merecia ter na região, os votos nas próximas legislativas que merece, ou seja, zero.
Também este fim de semana, o Desportivo de Chaves regressou ao convívio com os grandes do futebol, após 17 anos de quase morte. Salvou-o um mecenas da terra. Só o Desportivo consegue ser o farol de toda a região e pôr no mapa a cidade que lhe dá nome. Uma cidade deserta de pessoas, que pagou bem caro os custos da interioridade e do governo de Passos que quis empobrecer o país e incentivou a emigração, em Chaves notou-se e bem. Uma cidade conduzida por um executivo camarário sem ideias nem visão de futuro, que asfixiou o município financeiramente, em obras megalómanas, algumas delas por abrir e que terão custos de funcionamento incomportáveis. À semelhança de Passos Coelho também este executivo camarário deveria merecer uma atenção especial por parte dos Flavienses em próximas eleições autárquicas, com cartão vermelho.
Salva-se o Desportivo...



quarta-feira, 4 de maio de 2016

Já agora... vale a pena ler isto



RODRIGUES DOS SANTOS: “A SEXUALIDADE DAS ONOMATOPEIAS"


SOPA DE PEIXE COM LEITE DE MAMA


Comece por saborear esta deliciosa sopa de peixe com leite de mama, soberba criação daquele que, mais ano, menos ano, será seguramente o segundo português laureado com o Prémio Nobel da Literatura.
Depois, se tiver a milésima parte da pachorra do António Araújo (que leu várias vezes a volumosíssima produção romanesca de JRS nas sucessivas edições portuguesas e inglesas), prossiga a leitura pelos cinco intermináveis episódios da saga “Rodrigues dos Santos: a sexualidade das onomatopeias”, no blogue Malomil, nos atalhos que indico no final.
“Longe, muito longe, vão os tempos da célebre cena da sopa de peixe, levada aos escaparates em Outubro de 2005, no inesquecível romance «O Codex 632». Neste episódio, dos mais marcantes da ficção portuguesa pós-25 de Abril, a estudante Lena Lindholm, uma sueca de «seios atrevidos e generosos» e com «nádegas carnudas», seduz Tomás Noronha, professor da Universidade Nova de Lisboa que naquela época tinha 35 anos e envergava «olhos verdes e cintilantes».
Recordemos o incidente:
«Parou de comer e fitou-o com uma expressão insinuante. “Sabe qual é a minha maior fantasia de cozinheira?”
“Hã?”
“Quando um dia for casada e tiver um filho, vou fazer uma sopa de peixe com o leite das minhas mamas.”
Tomás quase se engasgou com a sopa.
“Como?”
“Quero fazer uma sopa de peixe com o leite das minhas mamas”, repetiu ela, como se dissesse a coisa mais natural do mundo. Colocou a mão no seio esquerdo e espremeu-o de modo tal que o mamilo espreitou pela borda do decote. “Gostava de provar?”
Tomás sentiu uma erecção gigantesca a formar-se-lhe nas calças. Incapaz de proferir uma palavra e com a garganta subitamente seca, fez que sim com a cabeça. Lena tirou todo o seio esquerdo para fora do decote de seda azul (…). A sueca ergueu-se e aproximou-se do professor; em pé, ao lado dele, encostou-lhe o seio à boca. Tomás não resistiu. Abraçou-a pela cintura e começou a chupar-lhe o mamilo saliente.»”








sábado, 30 de abril de 2016

42 anos depois

42 anos após o 25 de Abril, e rompendo com o sistema coxo do arco da governação, temos finalmente um Governo do PS suportado pelos partidos à sua esquerda, e que se atreve a ter uma política que rompe com o caminho do empobrecimento. A geringonça que funciona. Um governo que não faz a devida vénia e critica Bruxelas ao defender Portugal. Um Governo que já apresentou um verdadeiro plano nacional de reformas com reforço da coesão e igualdade social, e que não ficou na gaveta.
Perante as críticas da comissão europeia, nomeadamente quanto ao aumento do salário mínimo, temos finalmente um primeiro-ministro que não faz de criado, afirmando claramente que recusa um modelo de país baseado em baixos salários e que a batalha pela igualdade continua.
Temos finalmente um primeiro-ministro que diz: “a batalha pela igualdade é permanente, já a travámos antes do 25 de Abril de 1974 e temos de continuar a travá-la. Quando vemos alguns cá dentro ou na Europa a dizerem que em Portugal nós não nos desenvolveremos aumentando o salário mínimo nacional, porque estamos condenados a viver num país de baixos salários e de pobreza, temos de dizer que não aceitamos”. A isto chama-se defender Portugal e Abril.
O 25 de Abril é de todos, mas para não cair na tentação da hipocrisia, é justo dizer-se que alguma direita encara o 25 de Abril como uma coisa mais à esquerda, e de que esta se apropriou. Veja-se a forma como alguma direita encara o cravo enquanto símbolo do 25 de Abril como um símbolo da esquerda, daí a forma desengonçada como os sucessivos dirigentes dos partidos da direita o encaram, em particular, aqueles que chegam a Presidente da República. Cavaco nunca o usou, Marcelo exibe-o na mão e as fontes de Belém justificam a sua não colocação na lapela por ser um político do centro.
O facto de o cravo ser o símbolo da revolução deve-se ao facto de ser uma flor da época. Alguém se lembrou de colocar um cravo numa G3 e por uma feliz coincidência do destino um fotógrafo aproveitou para fazer uma bela imagem. Quem colocou o cravo na G3 não estava a fazê-lo por o cravo ser vermelho, era simplesmente uma flor que brotava de uma arma de onde seria de esperar que brotassem balas.
Portanto, nem o cravo é um símbolo da esquerda, nem o vermelho dessa flor era uma opção ideológica. O cravo foi um símbolo de uma tolerância que se tornou a imagem da revolução.
42 anos depois, a direita, na casa da democracia, fica desconfortável quando o presidente da Assembleia da República agradece aos capitães de Abril pelo 25 de Abril. Está desconfortável quando o Presidente da República, oriundo da sua área política, agradece aos militares pelo 25 de Abril e pela liberdade e pela democracia devolvida aos portugueses. Militares de Abril que regressaram à casa da democracia, após 4 anos de interrupção, enquanto por lá passou o governo neoliberal de Passos Coelho e de Paulo Portas. O primeiro que anunciou no último congresso do PSD o regresso à social democracia, que, portanto, tinha perdido, a matriz ideológica de Sá Carneiro e que até nasceu à esquerda, e o segundo que saiu de cena, espera-se, irrevogavelmente. Haverá alguém que acredite numa e noutra?
Mas 42 anos depois, temos mesmo uma democracia livre? Ou temos uma democracia a soldo dos grupos económicos, como no caso recente do GES em que se descobriu que a empresa de Salgado pagava avenças a políticos e jornalistas?
Uma democracia com o garrote dos poderes europeus e do diktat alemão que manda e desmanda na política de países soberanos seus parceiros, alimentado por uma direita subserviente aos jogos de casino e dos juros usurários.
Ficámos todos contentes porque nos deram a liberdade. Podemos dizer mal de quem nos apetecer. Mas, na verdade, após 42 anos, estão a reduzir-nos ao papel de idiotas votantes, manipulados na opinião a soldo, livres, sim, mas utilizados para caucionar uma democracia hipócrita em que meia dúzia reinam sobre os súbditos ululantes e explorados na quinta do capitalismo selvagem.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Impeachment como quiser

Eduardo Cunha é o presidente do congresso brasileiro que é suspeito no Supremo por corrupção no processo Lava Jato. Michel Temer é o vice-presidente, suspeito no Supremo por corrupção no processo Lava Jato. O impeachment de Dilma foi votado por um congresso onde mais de metade dos deputados estão indiciados por corrupção no processo Lava Jato e noutros. E agora a coisa passa para as mãos do Senado, cujo presidente Renan Calheiros, também está a ser investigado no processo Lava Jato. Tudo para fazer sair de cena uma das poucas políticas brasileiras que, goste-se ou não, não é suspeita de corrupção. O pecado de Dilma terá sido tentar dar a mão a Lula, suspeito no processo Lava Jato. Aliás, quem se lembre do processo da sua nomeação e imediata suspensão, com juízes sectários e parciais, fica feliz por viver em Portugal.
O Carnaval brasileiro dura todo o ano e em todo o lado. A forma de votação dos deputados do congresso que foram chamados um por um a apresentar as suas razões para votar favoravelmente ou não a admissibilidade do processo de destituição da Presidente Dilma Rousseff, parecia uma novela da Globo, a fazer lembrar as que passavam nos anos 80. Pela mulher, pelos filhos, por Deus, pela família, pelo Brasil e pelo marido que é um exemplo, ainda que o marido tenha sido detido no dia a seguir. Ao mesmo tempo que empunhavam cartazes num circo ululante.
O Brasil tem um regime presidencialista em que é o Presidente que governa e tem a legitimidade do voto. O que quer dizer que os deputados apenas o podem fazer cair se este tiver cometido um crime de responsabilidade. Por corrupção, por exemplo. Foi o que aconteceu com Collor de Mello.
Este processo não é um golpe. É um aproveitamento desproporcionado, cínico e hipócrita do descontentamento de uma franja da população mais burguesa, que incita o sempre latente sentimento violento do povo.
Temo o pior para o Brasil... Infelizmente...

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O alfaiate do Panamá



O escândalo com as possíveis fugas ao fisco de líderes, estrelas e artistas mundiais, do BES e de multinacionais não chega a ser notícia. Já sabíamos da existência destes labirintos. O que é escandaloso e merece notícia é podermos ver como funciona o capitalismo globalizado em que vivemos, em que o sistema financeiro e económico legítimo trabalha nas mesmas casas de apostas que o crime organizado, usando estratagemas semelhantes e com o mesmo objetivo: esconder o dinheiro. Os paraísos fiscais são um mundo opaco, cujo objetivo é permitir que não seja conhecido o verdadeiro dono do dinheiro que lá está depositado, fazem poucas perguntas e fecham bem os olhos.
Já sabíamos que parte das grandes fortunas pessoais no mundo, bem como receitas equívocas de conglomerados empresariais, usam offshores para enganar Estados e roubar contribuintes. Não é novidade para ninguém a existência das offshores, do Swiss Leaks e do Lux Leaks onde o atual presidente da Comissão Europeia apareceu como facilitador da evasão fiscal. Também já sabíamos que apenas uma empresa do PSI 20, em Portugal, tem cá a sua sede fiscal. A globalização da falcatrua é o mundo em que vivemos e que nos habituamos a aceitar. A democracia que se conhece hoje em dia lava mais branco e recusa aceitar o Estado regulador e que impõe a lei. O capitalismo financeiro globalizado, que verga Estados e joga no casino da banca precisa da selva para se movimentar. Com o beneplácito dos líderes europeus, fortes com os fracos e fracos com os fortes, e que se rendem facilmente ao poder financeiro, substituindo rapidamente a política por tecnocratas que olham para as pessoas como números. Líderes europeus que pagaram à Turquia para varrer refugiados para debaixo do tapete.
Apostas de casino a que a banca se foi habituando sob o 'manto protetor' do Estado, obrigado a chamar os contribuintes para pagar a fatura. Uma banca privada que conta com o conforto de ter sempre no Estado o último garante. Pode ser que comece finalmente a discutir-se que papel deve ter o Estado como regulador, uma vez que os privados nunca assumem as suas responsabilidades por má gestão, assim como todo o sistema bancário que nacionaliza o risco e as perdas e privatiza o lucro.
Brincar aos bancos é fácil se houver sempre a certeza que no fim os Estados e os contribuintes pagam a brincadeira. É essa a verdadeira mão invisível do mercado e da banca desregulados. E o regabofe de brincar ao capitalismo continua, com os mesmos atores que deitaram abaixo a economia mundial, sentados nos mesmos lugares, com exceções aqui e ali.
Este tipo de capitalismo, sem lei, está corrompido e cresce de uma forma gananciosa e complexa, nos cantos escondidos do cartel financeiro mundial. Quanto mais complexo, maior a dificuldade de regulação. A transparência é uma mera nota de rodapé. O grande drama do capitalismo é a falta de regulação num labirinto de burocracia e de interesses pouco éticos e até criminosos.
E quando alguém tenta assegurar e defender os interesses do Estado, como no caso recente de António Costa e o BPI, secundado pelo atual Presidente da República, logo saltam a terreiro os paladinos da cartilha neoliberal em defesa da não ingerência pública em assuntos privados. O caso BANIF ainda não terminou e já parece que desejam outro. Porque quanto menos se puder cobrar impostos ao factor capital, mais se cobrará aos rendimentos do trabalho. É este o sistema capitalista e globalizado atual. Onde uns escondem, os outros pagam a dobrar. E o que se esconde em Portugal dá para pagar todo o SNS. É um fato à medida e chamam-lhe austeridade...

terça-feira, 12 de abril de 2016

O elefante no meio da sala


João Soares foi o nome mais contestado na constituição do governo. João Soares não se demitiu, foi demitido. Foi demitido por António Costa aquando do puxão de orelhas público nas televisões, quando disse que um ministro nem no café se pode esquecer da sua condição. Quando pediu desculpa aos visados, por quem até tinha estima. Quando não disse se mantinha a confiança no ministro. O caminho ficou mais curto e com um único trajecto.
João Soares nunca soube distinguir o cargo que ocupava dos seus humores, ódios e amizades. Foi arrogante, tal como já tinha sido na demissão pública de António Lamas do CCB. Ameaçou dois cronistas com duas bofetadas, e não contente, não se destratou. Quando fez o que fez, e porque representava o Estado, foi o Estado que ameaçou. Foi o governo que não respeitou a liberdade de expressão. Não podia haver outro desfecho. E pelo nome do substituto a demissão foi mesmo bem vinda. Acabou com o elefante no meio da loja de porcelana, e ainda conseguiu que a alternativa fosse bem melhor.
Agora João Soares já pode dar as bofetadas que entender...

quarta-feira, 6 de abril de 2016

O estado do direito angolano

Angola é um Estado de direito? Eis a pergunta que se impõe... Defende e pratica a liberdade de expressão? Tem um sistema judicial que garante a defesa aos arguidos? Tem e aplica as leis com igualdade para todos? É algo que se devia perguntar ao PSD, ao CDS e ao PCP. Os três que votaram contra dois textos, um do PS e outro do BE, em que se considerava inaceitável a condenação, a penas de prisão entre dois e oito anos, de 17 angolanos, incluindo Luaty Beirão (que é também cidadão português, por deter dupla nacionalidade), por "atos preparatórios de rebelião" e "associação de malfeitores".
Quando foram detidos, numa livraria, os 17 estavam a debater um livro, 'Ferramentas para Destruir o Ditador e Evitar Nova Ditadura', baseado no clássico de Gene Sharp 'Da Ditadura à Democracia'. Não foram encontradas armas, nem provado qualquer plano para derrubar o governo por meios violentos. Estas 17 pessoas foram condenadas a prisão por considerarem o regime angolano uma ditadura e por defenderem que deve ser substituído por uma democracia; por discutir política e por quererem agir politicamente. Chama-se a isto, presos políticos. Também não há dúvidas sobre a natureza de um regime com presos políticos: democracia é que não é de certeza.
Como se pode ver na declaração de voto do PCP, é possível ao mesmo tempo reafirmar "a defesa do direito de opinião e manifestação e dos direitos políticos, económicos e sociais em geral" e achar que "a importância do respeito pela soberania da República de Angola" impede qualquer consideração sobre a violação desses direitos. Se os tribunais angolanos condenam pessoas, incluindo um português, por lerem livros, Portugal que pertence à CPLP nada tem que ver com isso e deve estar caladinho por causa dos dólares da família Santos. Separar a política da justiça é uma das características de um Estado de direito; exatamente o que não sucede quando há presos políticos. Mas tudo se resolverá se ficarmos caladinhos...

"Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.", Evelyn Beatrice Hall

quinta-feira, 31 de março de 2016

Quando a realidade supera a ficção

"Sem surpresas, o parlamento aprovou esta quarta-feira o Orçamento do Estado para 2016 com os votos a favor de PS, PCP, Bloco de Esquerda e dos Verdes, a abstenção do PAN e os votos contra de PSD e CDS. A Direita avisa que este é um Orçamento imprudente. A Esquerda defende que é sinal de mudança."

Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa justifica promulgação do Orçamento de Estado - “convergiram duas vontades, a da maioria parlamentar e a das instituições europeias”.

"Ataques terroristas na Bélgica deixam dezenas de mortos e feridos. Explosões atingiram o aeroporto de Zaventem e estação de metro. Ao menos 34 morreram e mais de 200 ficaram feridos, segundo a imprensa."

"Prisão de Lula? "Impeachment" de Dilma? Novas bombas..."

"Luaty Beirão condenado a 5 anos e 6 meses de prisão."

"Trump consolida a dianteira no Partido Republicano. Donald Trump, vencedor indiscutível da Superterça no Partido Republicano, mostrou-se forte nos Estados mais conservadores do sul do país, como Alabama e Georgia."


sexta-feira, 18 de março de 2016

A geringonça e a caranguejola


O PSD de Passos está desorientado, perdido na sua auto-comiseração, afundado no fel revanchista que não consegue ultrapassar. O seu líder, que perdeu recentemente a muleta mais leal (Portas), ainda não percebeu que o futuro já lhe passou a perna, e que se não arrepiar caminho passará por dificuldades enormes. A falácia do medo, e o medo do sucesso da esquerda reunida, toldam-lhe as decisões. Decisões que ficam para memória futura e que já não têm forma de voltar atrás.
Ao mesmo tempo que se discute a ética do novo cargo de Maria Luís, com defesa de Passos, assistimos também pela primeira vez no parlamento, ao definhar niilista do maior partido da oposição.
Os votos contra tudo e contra todos, até contra medidas do próprio PSD enquanto foi governo e que agora continuam, é a mais pobre e triste vendetta pueril.
Substituir o combate pela inocuidade pode dar a médio prazo mau resultado. Para Passos, bem entendido. E, como se não bastasse, também pela primeira vez no parlamento, o maior partido da oposição não apresentou uma única proposta de alteração ao Orçamento de Estado, que acabaria aprovado por toda a esquerda, e até com algumas medidas aprovadas pelo CDS/PP, agora com Cristas ao leme.
Depois chegou a hora de votar a ajuda à Grécia e à Turquia para a situação dos refugiados. Um compromisso internacional do Estado português. Regressando uns meses no tempo, é de recordar o discurso exaustivo da coligação e do ajudante Cavaco sobre respeito pelos tratados e compromissos internacionais, na altura usando a estratégia do medo do bicho papão da extrema esquerda.
Pois o PSD absteve-se...
Entre chumbos, abstenções e faltas de comparência, este PSD e o seu líder afundaram de vez o seu discurso com uma actuação ridícula, revanchista e inútil.
A geringonça vai rebolando, a caranguejola está de patas para o ar...

sábado, 12 de março de 2016

Ouvi

Ouvi esta semana José Miguel Júdice especular sobre um eventual aumento da tributação das grandes fortunas. Ouvi Júdice dizer que esse aumento seria para 65% em sede de IRS. Ouvi Júdice dizer que as grandes fortunas em Portugal seriam consideradas remediadas nos países mais ricos.
Tenho pena que a sua interlocutora não lhe tenha perguntado em que se baseava e em que fontes, para tamanha especulação. Mas fico mesmo com pena que o jornalismo em Portugal esteja mesmo tão na mó de baixo que não permita de imediato, perante tais afirmações, perguntar a Júdice que grandes fortunas são essas e o que é que o ilustre considera como grandes fortunas... E já agora se concordaria com a medida e se ele próprio estaria incluído nesse grupo de 'remediados'. Provavelmente estará...
Pelos vistos, e segundo Júdice, sem qualquer contraditório e ao qual não deve estar habituado, as grandes fortunas serão as dos donos daquilo tudo...

quarta-feira, 9 de março de 2016

Adeus, até mais nunca

Tinha 9 anos quando Cavaco foi eleito primeiro Ministro. 30 anos depois, finalmente sai de cena. É um dia ambíguo. Feliz pela sua saída, triste por não conseguir perceber como é que a figura mais pequena da política portuguesa em democracia, conseguiu ganhar 5 eleições e eternizar-se no poder durante 20 anos. Deixo aqui transcrita a opinião de Daniel Oliveira, no Expresso, que espelha exactamente aquilo que penso sobre Cavaco.

"A frase que melhor define o “pensamento” político de Cavaco Silva é esta: “duas pessoas sérias com a mesma informação têm de concordar”. Esta afirmação, parecendo ser apenas pueril, esteve sempre presente na incapacidade de Cavaco compreender a função de quem lhe fazia oposição. Apesar de involuntário, é o melhor resumo do processo mental de um ditador que acredita na virtude da sua autoridade. Quem discorda do projeto que ele tem para o País ou é ignorante ou mal intencionado. Se é ignorante, deve ser ignorado. Se é mal intencionado, deve ser reprimido. Se a política se resume à construção de consensos entre pessoas bem formadas e informadas, contrariadas por ignorantes ou mal intencionados, a democracia é um absurdo. Sábios honestos dispensariam, com ganho para todos, o confronto de ideias, a oposição ou as eleições.

Quando Cavaco Silva se apresenta como um não político, apesar de ser o mais veterano dos profissionais da política, não o faz por mera tática populista. Ele acredita, sendo coerente com o “pensamento” expresso no parágrafo anterior, que políticos são aqueles que perdem tempo em confrontos inúteis. Que ignoram os problemas reais para se entreterem com divagações fúteis e se entregarem a interesses mesquinhos. Ele, pessoa séria e informada, defensor incontestável do que é bom para o País, não pertence a essa casta medíocre. Ele é um técnico, um académico, um economista, que não se deixando abalar por jogos políticos, persegue apenas os interesses da Nação.

Quando deixei entre aspas o “pensamento” de Cavaco não o fiz por despeito ou provocação. Estou convicto que este raciocínio de Cavaco não resulta de qualquer tipo de elaboração ideológica. Pouco dado a leituras e ao debate com os outros, onde se aprende o que não se leu, Cavaco não tem consciência das consequências e antecedentes do que ele próprio defende. O pensamento de Cavaco, transportando em si a vulgata de um qualquer líder autoritário, é instintivo e primário, manifestando-se mais por via de deslizes não preparados do que por afirmações estruturadas ou com alguma sofisticação ideológica.

Outros deslizes que teve, como a utilização do termo “dia da raça” para falar do 10 de junho ou as pensões que deu a ex-agentes da PIDE e recusou à viúva de Salgueiro Maia, também resultaram mais de ignorância do que de uma convicção firmada. Mas não deixam de resultar de automatismos políticos. Os mesmos que o levaram, enquanto primeiro-ministro e já longe dos momentos conturbados do PREC, a usar com enorme frequência a repressão policial contra manifestações de trabalhadores, estudantes ou camionistas. Ou a tratar o Tribunal Constitucional e restantes instituições que servem de contrapeso ao poder executivo e legislativo como “forças de bloqueio”.

De formas simbólicas ou mais diretas, Cavaco nunca compreendeu que as instituições que dirigiu o transcendiam. Ao contrário do que é costume dizer-se, Cavaco Silva é o oposto de um institucionalista. No dia 5 de outubro de 2012 decidiu que não falaria ao povo da varanda da praça do Município, em Lisboa. Para não ter que enfrentar previsíveis protestos depois das manifestações de 15 de setembro (usou o argumento da poupança), exigiu que a coisa se fizesse à porta fechada, o que sucedeu pela primeira vez desde 1910. No ano passado foi mais longe e faltou às cerimónias. Estaria a refletir na solução de governo. Centrado sempre tudo nas suas preocupações e humores pessoais, Cavaco não compreende que a nações têm as suas liturgias, que lhe dão estabilidade simbólica. Não compreende que é essa liturgia que determina o seu comportamento nestes momentos de afirmação da memória coletiva, e não o oposto. Que ele é objeto das instituições, não é o seu sujeito. Um conservador, mais do que eu, teria o dever de o entender. Mas acontece com o conservadorismo de Cavaco o mesmo que acontece com o seu autoritarismo: a sua ignorância histórica, a sua estreiteza política e a total incapacidade de abandonar o seu colossal ego impedem-no de ser mais do que ele mesmo.

Dirão: tudo isso não passa de simbolismos. Mas é esta incapacidade de se adaptar ao cargo que ocupa, sendo o cargo perene e ele transitório, sendo o cargo maior e ele mais pequeno, que o levou a fazer o discurso que fez sobre o PCP e o Bloco de Esquerda, não compreendendo que a um Presidente está interdito, no exercício das suas funções, o desrespeito institucional por forças políticas que representam um quinto dos eleitores. Ou que o levou a fazer um discurso de reeleição carregado de ódio pessoal e vingança. Ou que o levou, num dos mais sórdidos episódios da nossa democracia, a mandar um assessor seu espalhar na imprensa que estaria a ser escutado pelo governo sem nunca esclarecer verdadeiramente essa acusação. Ou a pôr os seus conflitos com José Saramago acima da homenagem que o Estado português devia ao Nobel da Literatura. E a condecorar o responsável por um ato de censura a este autor, como pequeno gesto de vingança pessoal. Tudo isto aconteceu pela mesma razão que Cavaco se cita quase exclusivamente a si mesmo: o seu ego é o seu programa político. E esse ego toma conta das instituições, das tradições, das liturgias, das relações com os outros. A sua opinião substitui as regras, as suas embirrações tornam-se embirrações de Estado.

A total incompreensão dos fundamentos da democracia, confundindo convicções pessoais com interesse nacional e separação de poderes com “forças de bloqueio”, e a incapacidade de separar o seu ego do cargo que ocupa, tornando-se ele na própria instituição que dirige, dão a Cavaco o perfil de um ditador em potência. Um ditador primário, instintivo, incapaz de compreender as motivações das suas próprias convicções autoritárias, mas ainda assim um ditador. Faltaria a Cavaco Silva, para além das condições políticas que felizmente o transcendem, quase tudo o que seria necessário.

O modelo de imagem pública de Cavaco sempre foi o modelo austero que a propaganda desenhou de Salazar. Sejamos justos e reconheçamos que não foi o primeiro, em democracia, a alimentar essa imagem. É, aliás, um elemento central nos políticos que mais respeito conquistaram dos portugueses. De Ramalho Eanes a Álvaro Cunhal. O problema é que a imagem austera que Cavaco sempre tentou passar de si é oposta à realidade, ao contrário do que acontecia com Salazar (e Cunhal e Eanes). Cavaco Silva sempre foi, nas despesas ligadas ao seu cargo, um perdulário. Cavaco optou pela sua reforma em vez do salário de Presidente da República que, sendo mais baixo, seria obviamente o indicado para dignificar o cargo. Já para não falar na sua relação promíscua com o BPN, não tendo o episódio das ações sido nunca cabalmente esclarecido. O mesmo homem que inventou Dias Loureiro, Oliveira e Costa ou Duarte Lima, só para pegar nos exemplos mais escabrosos, não pestanejou ao dizer que para ser mais sério do que ele seria preciso nascer duas vezes. Ainda assim, a imagem austera perdurou muito tempo no imaginário popular. Até Cavaco ter dito o que disse sobre o seu salário. Seria mais uma vez o autocentramento nos seus próprios problemas que o iria trair.

As contradições de Cavaco também são programáticas. O mais parecido com o retrato que o Presidente Cavaco Silva faz de um mau chefe de governo foi o primeiro-ministro Cavaco Silva. Se de 1986 a 1989, graças ao crescimento económico garantido pela entrada de rios de dinheiro no país e um enorme crescimento económico, se conseguiu passar de 7,4% para 2,9% de défice orçamental, ele voltou a aumentar para valores superiores a 6% de 1990 a 1995. Ou seja, no pico das facilidades europeias Cavaco conseguiu, quando Maastricht já impunha o limite de 3%, voltar a colocar o défice em valores semelhantes à pré-adesão à CEE. Só depois de Cavaco sair de São Bento se iniciou uma trajetória de redução.

O modelo de desenvolvimento do cavaquismo baseou-se na obra pública sem critério, em distribuir dinheiro sem rigor ou controlo (quem não se lembra dos célebres cursos profissionais?), numa gestão orçamental eleitoralista e na destruição de todas as atividades produtivas em troca de financiamento europeu. Cavaco representou, como primeiro-ministro, uma oportunidade histórica perdida. Não foi o único, mas marcou uma forma de governar. E, no entanto, não encontramos maior arauto da contenção orçamental e das boas contas que o Presidente Cavaco Silva. Ele é o homem que avisa para o futuro depois de o ter ignorado quando era ele que governava. Mais uma vez, estou convencido que Cavaco acredita no seu próprio discurso. Nos vários que foi tendo. Porque Cavaco nunca se engana e, coisa bem mais perigosa, raramente tem dúvidas.

Por fim, falta a Cavaco a mais importante qualidade que se exige a um político, seja um democrata ou um autoritário: a coragem. Não me refiro apenas à coragem política. Até fisicamente Cavaco é cobarde. Viveu sempre tomado pela paranoia da segurança, fazendo exigências insensatas e dispendiosas. Sempre evitou o contacto direto com os cidadãos. Nunca foi ao Parlamento debater com os seus adversários. Tirando nas presidenciais, em que a vitória era incerta e faltar teria sido fatal, são raros os debates com concorrentes eleitorais. E mesmo nos debates presidenciais exigiu que as mesas estivessem viradas para o moderador, evitando o contacto visual com os adversários. A cobardia política e física que sempre revelou é, do meu ponto de vista, o seu traço de personalidade mais desprezível.

Não é difícil, depois destas linhas, escritas por alguém que tinha 11 anos quando Cavaco Silva chegou pela primeira vez a um cargo executivo, perceber que este texto é escrito com tristeza. Tristeza por perceber que alguém com estas características conseguiu, sem precisar de recorrer a grandes talentos oratórios ou a qualquer instrumento de coação, convencer a maioria dos portugueses a entregar-lhe por cinco vezes o poder. Sempre respeitei, por convicção democrática, essa decisão da maioria. Ela deu-lhe absoluta e incontestada legitimidade democrática. Mas sempre me senti oprimido por ela.

O instinto de Cavaco Silva é autoritário. Ele acredita que é o portador do interesse nacional, moldando as instituições aos seus próprios caprichos. Que o debate é ocioso e a divergência perda de tempo. E embrulha tudo isto numa falsa capa austera. Mas faltam a este homem todas as qualidades que se exigem a um autoritário conservador, de recorte salazarista: a cultura histórica que lhe permita encarnar a Nação, a cultura política que lhe permita ter um desígnio para o país e a cultura ética que lhe permita ser um modelo. Cavaco Silva é autoritário apenas porque é demasiado ignorante para compreender as razões profundas da superioridade da democracia e porque é demasiado egocêntrico para compreender a transitoriedade do poder. É autoritário por feitio, não por convicção. Por ignorância, não por predestinação.

Penso que na própria cabeça de Cavaco a imagem do professor de Finanças austero, um autoritário que despreza o debate e encarna em si mesmo toda a Nação, o levou a ver-se como uma espécie Salazar da era democrática. Mas o perfil de Cavaco Silva apenas se assemelha ao de Salazar na medida em que foi, como muitos portugueses da sua geração, moldado nessa cultura. Não tendo outra, apenas juntou ao imaginário do Estado Novo as regras formais da democracia, sem nunca as compreender verdadeiramente. Mas para se comparar à trágica grandeza do ditador falta-lhe tudo o resto: a cultura de quem molda o pensamento dos outros, a disciplina ética de quem é modelo para os outros e a coragem de quem lidera os outros. Cavaco é afinal só Cavaco. A sua tragédia é ser demasiado pequeno para todo o poder que teve. Talvez tenha sido só um longuíssimo equívoco."

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Os dedos cruzados

Quando era criança e se jurava por tudo e por nada, apenas para se obter um benefício, quase sempre banal e benigno, cruzavam-se os dedos da mão atrás das costas, com receio de algum castigo divino. Passos Coelho com a sua voz maviosa, não acredita que o OE seja possível de concretizar. Segundo o próprio, o enorme aumento de impostos sobre as famílias e a classe média, a austeridade asfixiante e ao mesmo tempo a devolução de apoios sociais, de salários e de pensões vão fazer disparar o défice e a dívida e a terra tremerá sob o castigo divino dos mercados, os cavaleiros do apocalipse e as pragas do Egipto. Adianta no entanto, que espera, para o bem do país, que o governo de Costa consiga cumprir as metas, mas todos vimos, quando abandonou o parlamento, cabisbaixo, os dedos da mão cruzados atrás das costas.
Se Costa conseguir cumprir as metas do défice, ao mesmo tempo que reduz a dívida e o desemprego, e mesmo assim conseguir que o país cresça, isso significará a derrota em toda a linha de tudo o que Passos e Dijsselbloem e Schauble nos ensinaram a fazer. Ou será, que por ironia do destino, as horas passadas por Passos de joelhos em Bruxelas, não seriam elas próprias um auto de fé?...
Porque também já sabemos que o OE que ontem foi aprovado historicamente por toda a esquerda, não pode ser ao mesmo tempo de austeridade e de despesismo. Se é de austeridade não é de despesismo, e portanto o bicho papão socialista da banca rota não pode ser usado. E também não pode ser despesista, afinal aumenta alguns impostos, negociados e aprovados por Bruxelas. E a direita, campeã da austeridade, ainda não conseguiu desatar o nó cego que este orçamento lhe deu. É até capaz de criticar uma austeridade que em nada tem a ver com os últimos cinco anos no país. E isso ninguém consegue compreender. Nem a própria. 
O que é então? É uma geringonça que funciona, que trata as pessoas pelo nome, que não lhes faz mal, que repõe direitos roubados, que diminui assimetrias e desigualdades, que aposta no território como um todo, que cumpre e não afronta a Constituição, que não capitula nem se ajoelha perante Bruxelas. Despreza a inevitabilidade dos coitadinhos, manda às malvas a teoria do empobrecimento como castigo ideológico que usa frases feitas de propaganda paternalista.
A geringonça funciona e não usa sacanices... é chegada a vez da Europa começar a sua reconstrução, ou enfrentar o seu fim.