quinta-feira, 22 de outubro de 2015

O rei de Belém

Lembro-me bem dos laivos arrogantes e ditatoriais de Cavaco primeiro Ministro. Lembro-me bem das cargas policiais na ponte 25 de Abril, da censura a um programa de Herman José e a José Saramago, das escutas em Belém, inventadas a 15 dias de eleições legislativas para as tentar condicionar, sei muito bem do encobrimento que fez a amigalhaços envolvidos no maior escândalo financeiro em Portugal (BPN), e que nunca foram julgados, se calhar por ter lá o rabo preso, nas malhas secretas da economia de mercado desregulado e das ações da SLN.
Cavaco é um ser mesquinho como o discurso que acabou de dirigir ao país indigitando Passos Coelho. Podia fazê-lo normalmente, constitucionalmente, sem grandes problemas. Não seria nenhuma surpresa, não seria nenhum escândalo, não seria fraturante.
Não podia era produzir um discurso de facção contra a esquerda como fez, em que acolhe todos os argumentos de um dos lados e critica violentamente os do outro, falando mais como presidente do PSD e não como Presidente da República. Não podia era ter manifestado opinião sobre as razões que levam o PS a rejeitar acordos com a PàF, apelidando-as de serem conjunturais contra o superior interesse da Nação. Não podia era fazer o apelo à insurreição da bancada parlamentar do PS para que não vote as moções de rejeição que aí vêm, numa chantagem ilegal e antidemocrática. Não podia era dizer a um milhão de portugueses que o seu voto é de segunda e não vale nada, como se o seu voto tenha que ser deitado ao lixo por eleger deputados de partidos que deviam ser ilegalizados. Não podia dividir quando sempre disse que queria consensos. Não podia ter usado um tom de ódio, preconceito e bafiento contra os partidos de esquerda. Cavaco vomitou. Não podia vir dizer quais são as coligações legítimas e as que são ilegítimas. Não se podia comportar como o dono disto tudo, cuspindo no parlamento e na vil azia de um cenário que de todo não estava à espera, mesmo tirando o dia da República para reflectir. 
Esta figura tão pequena e tão verrinosa escolheu o confronto e provavelmente conseguiu unir o que até agora poderia nem ser tão unido. O insulto que representou o voto dos portugueses à esquerda é uma pedra que tem que ser esmagada nas paredes do rei de Belém.
Este discurso é o coroar de um percurso político de alguém que nunca cumpriu o juramento que fez sobre a Constituição e que durante quatro anos deu cobertura às dezenas de atropelos constitucionais de Passos Coelho. E agora, apelou ao golpe de estado parlamentar, numa pressão obscena sobre os deputados do PS.
Não foi bonito de se ver. Foi mesmo um dia muito triste para a democracia portuguesa.
Se outra razão não houvesse para que o governo PàF seja derrotado no parlamento, passou a haver uma razão adicional; é fazer engolir a Cavaco todo o fel que destilou na sua discursata, fazendo-o vergar perante a verdade que ele não quer aceitar e que é a de que não é ele que escolhe os governos mas sim o parlamento, quer ele goste ou não desses governos, pondo em causa a matriz democrática das escolhas que um milhão de portugueses fizeram, marginalizando uns em detrimento de outros, esquecendo que o CDS/PP nasceu e cresceu, mesmo com Portas, da sua matriz antieuropeia.
E quando, agora, mais do que nunca, a esquerda tem mais argumentos para se unir, e apresentar uma solução de governo numa hipotética e previsível queda deste governo de direita, Cavaco ficará encostado à parede, sob a espada que ergueu. E se essa solução de governo for apresentada com um programa comum sem pôr em causa qualquer das questões europeias enunciadas pelo monarca de Belém, ou então, se for apresentada apenas com o programa do PS, apoiado pelo BE e pela CDU, então, bom, então, Cavaco, estará mesmo entalado na sua própria teia. Empurrará a batata quente para o seu sucessor e deixa o país em duodécimos até Junho, porque já se percebeu que o rei não viabilizará um governo com o apoio da esquerda que come crianças ao pequeno almoço. O consenso de Cavaco só serve se nele entrar a sua direita. E será responsável pela situação que gerar e que sempre disse querer evitar. Hipócrita!
É este o ser vil e parcial, que nunca se reconheceu a si próprio como político, passando sempre entre os pingos da chuva, e que tem a carreira mais longa na história da política em democracia e que o próprio tanto abomina.
A urgência de mudar de paradigma, de políticas, e do estado miserável a que chegámos pela mão da coligação de direita, merece, sem mais considerandos, uma oportunidade à esquerda. Para quebrar preconceitos com mais de 40 anos, para entrarmos de vez no século XXI e para que a esquerda deixe de ser coxa e possa definitivamente ser alternativa de poder, acabando com preconceitos meramente ideológicos, mesquinhos e retrógrados.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Isso agora não interessa nada

É o caos, o horror... Eles demitem-se, eles choram, eles berram. Vem aí o bicho papão da esquerda unida, colada com o derrube dos resquícios do muro de Berlim e do PREC. Vem aí um golpe de Estado perpetrado pelos monstros que comem criancinhas ao pequeno almoço. A comunicação social ululante agonia com a golpada e em uníssono clamam pela liberdade e democracia em perigo. Só a Constituição está serena, e Cavaco, o PR que só daria posse a um governo que garanta estabilidade, vai meter a viola ao saco e vai empossar os de sempre. Ainda bem... Afinal ele estudou todos os cenários possíveis para que a solução seja sempre a mesma possível. Ninguém quer saber que o primeiro dos ministros não tenha pago impostos e atirado o país para a miséria. Que num assomo de pânico prometa agora dar tudo o que tirou, assim, simples, do pé para a mão, e o programa do PS que era mau, agora já faz todo o sentido, e até pode governar o país, e os princípios inabaláveis da PàF também não interessam nada e afinal o PS é que tinha as contas certinhas e bem feitinhas. O importante é saber que a minoria que ganhou as eleições continue em funções para gáudio de todo o sistema financeiro mundial, europeu e da garagem do vizinho. E depois há esta coisa da memória. Portas em plena campanha de 2011 disse que não lhe interessava que o PS ganhasse as eleições, quem governaria seria a maioria de direita. Ponto. Mas afinal isso também não interessa nada.
Que gozo estes dias, que maravilhosa gente, que magnífico povo. A cara de Portas à saída da reunião no Largo do Rato é impagável e os comentários e editoriais que por aí grassam conseguem sempre fazer-me sorrir... Obrigado.



terça-feira, 6 de outubro de 2015

O governo de Sócrates

O dia de reflexão que costuma ser na véspera do dia de eleições passou para o dia seguinte. O presidente da República, mesmo após ter dito que sabia perfeitamente o que ia fazer a seguir às eleições, tendo inclusivamente afirmado que já havia estudado exaustivamente todos os cenários possíveis pós eleitorais, decidiu tirar o dia 5 de Outubro para reflectir (acabei de ouvir a comunicação de Sua Excelência El Rei ao país e continuo sem perceber para quê tanta reflexão...?!). O presidente da República quis tirar folga num feriado que deixou de o ser e faltou às cerimónias de celebração da implantação da República. Se isto não dá direito a despedimento por justa causa não sei o que dará. Afinal quem é o presidente da República?

Noutro quadrante, o PS, que andou toda a campanha a explicar o seu programa (recomendo que em próximas eleições o PS se apresente sem qualquer programa que possa ser escrutinado), como se tivesse sido governo nos últimos 4 anos (por culpa própria), é agora curiosamente, arma de arremesso entre as várias forças políticas, à esquerda e à direita. António Costa que perdeu as eleições passa a ser o fiel da balança, com os seguristas à perna e a coligação a puxar por um braço e o BE e a CDU a puxar por outro. Costa não terá vida fácil. Terá que ser inevitavelmente relegitimado em congresso e/ou directas e terá ainda as presidenciais para resolver.
Não deixa de ser mesmo curioso que o PS, atacado por todos durante a campanha, tenha agora o apelo de todos para entendimentos e consensos quer à esquerda quer à direita.
Mas como criar uma aliança negativa de esquerda, uma força de bloqueio, ou o que lhe queiram chamar, com partidos que defenderam durante a campanha que o PS tinha um programa de direita? Como pode o PS fazer uma união à esquerda com partidos que defendem a nacionalização da banca, a saída do euro e da NATO ou a renegociação unilateral da dívida que tão 'bons' resultados deu na Grécia?
E como pode o PS deitar fora quase 2 milhões de votos e consentir numa política da direita de austeridade que jurou combater e eliminar, assobiando para o lado, como se não existisse?
Não pode fazer nem uma coisa nem outra... Um governo de esquerda é neste momento inviável e um bloco central é indesejável quer por Passos Coelho e Portas, quer por Costa. O caminho tem que ser feito pela coligação recém eleita... querem consensos? Peçam ao PS por favor... Criem as condições para isso. Quem quer governar com maioria relativa tem que ter a iniciativa. A partir de agora a bola rola baixinho. E o PS tem o dever de se abster violentamente, para já... e só no OE para 2016 (ninguém perdoaria se assim não fosse e o PS arriscaria um suicídio e uma maioria absoluta da coligação nas necessárias eleições subsequentes)... Para o ano se verá...
É a democracia...
Ainda não sei se os portugueses recompensaram a austeridade, se a chumbaram... Acredito, todavia, na segunda hipótese. Deram a vitória à coligação, mas também deram uma maioria de esquerda no parlamento. A coligação perdeu 700 mil votos, o CDS tem menos 1 deputado que o BE. Se tivesse que apostar, não ficaria tão contente como Schauble ou Dijsselbloem... E o facto de se dar a estes dois homens uma razão para provarem a sua teoria de terra queimada custa-me mais a engolir que tudo o resto... Mas o povo é soberano, o povo é sereno. E a mensagem da coligação assente no medo de fantasmas passados, de chantagem e de auto-comiseração, foi nitidamente mais eficaz que a mensagem que o PS não conseguiu passar... por culpa própria.
Ainda assim, confesso que fiquei espantado, preocupado e apreensivo com o resultado eleitoral destas legislativas. Aceito obviamente os resultados, mas que ninguém me peça que concorde com eles. Resultados que acabaram por premiar um governo que secou tudo à sua volta, que quis ir além da troika, que aplicou a austeridade como ideologia, que viveu em confronto com a Constituição, martelou números em nome do défice, fez emigrar mais de 400 mil portugueses (que pelos vistos não teem família), aumentou a dívida, empobreceu o país, desbaratou o emprego e aumentou o desemprego, vendeu todos os sectores estratégicos do país ao desbarato (segue-se a CGD e a Água), lançou o caos na educação, na saúde e na justiça (onde andaram os professores e os sindicatos???). Como se não bastasse, este foi o governo de Gaspar, Relvas, do Álvaro, de Machete, de Poiares Maduro, do irrevogável Portas, do primeiro Ministro que não pagou impostos, de Paula Teixeira da Cruz, de Nuno Crato e de Miguel Macedo, dos vistos gold e das listas vip... Mas este foi ainda, ao que parece, o governo de José Sócrates...
É a democracia...