quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sinais dos tempos

1- É costume dizer-se que só existem duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. Quanto à primeira vou abster-me de comentários, é certa, imprevisível e quase sempre injusta. Curiosamente os impostos têm mais ou menos as mesmas características. Para além de certos, para quem trabalha como é óbvio, a sua imprevisibilidade tem sido uma constante nos últimos tempos, o que gera instabilidade e desconfiança. Até porque sabemos que vêm aí mais, só não sabemos é como e quando. E na grande esmagadora maioria dos casos são sempre para os mesmos. Os mesmos que os pagam descontando do produto do seu trabalho. A injustiça esconde-se na forma como são cobrados, distribuídos e aplicados. É já bem conhecido de todos a forma como se taxa cegamente neste país, quer através de impostos extraordinários sobre o trabalho, deixando de fora o capital, aumenta-se o IVA na electricidade e no gás, sem qualquer preocupação social, aumentam-se as taxas moderadoras indiscriminadamente e de forma uniforme, sem olhar às diferenças entre quem pode pagá-las ou não, baixa-se a Taxa Social Única, entregando às empresas o dinheiro dos trabalhadores, aumentando o desemprego em vez de o diminuir como se aponta em todo o lado. Taxa esta que iremos pagar com o mais cego dos impostos: o aumento de pelo menos 2% no escalão máximo do IVA. Sim, outra vez. Dão-se isenções fiscais aos patrões e à banca, que já pagam menos que todos os outros juntos, e por fim liberaliza-se o despedimento e desbaratam-se as respectivas indemnizações. A aplicação e a distribuição do resultado da cobrança desses impostos é para pagar a quem devemos e para recapitalizar a banca. É triste mas é verdade o nosso fado. Sinais dos tempos. 
E pensar que na Madeira, onde a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres é das maiores entre todas as regiões europeias, destino turístico onde pululam caciques e abençoados pelo Governo Regional, onde alguns têm um paraíso fiscal e os outros ou são alinhados ou são filhos da puta, onde a censura não tem vergonha, tem um desvio colossal de 277 milhões de euros para uma população de 267 mil habitantes. Se fosse no continente equivaleria em proporção a mais ou menos 13 mil milhões de euros. Coisa pouca. 

2- Mira Amaral lá conseguiu através da Sonangol ficar com a presidência do BPN, num negócio ruinoso e mal explicado, e que mais uma vez vai ser pago com os impostos dos suspeitos do costume. Parafraseando Miguel Sousa Tavares no Expresso: '...muito conveniente para arquivar o passado comprometedor da confraria bancária do cavaquismo’. Não diria melhor. 
A mesma Sonangol que através de negócios obscuros e num consórcio de raízes duvidosas, a China Sonangol, com sede em Hong Kong, é responsável pela exportação de mais de 20 mil milhões de euros anuais para a China em petróleo e diamantes, com o respectivo branqueamento de capitais e o produto dessas exportações a serem canalizadas para contas privadas, com graves conflitos de interesses entre o governo angolano e empresários chineses, onde se fala de roubo ao estado angolano e portanto não admira que José Eduardo dos Santos compre mansões no algarve por 14 milhões de euros e a filha compre bancos e aquilo quer quer cada vez que cá vem. Pode ser que a primavera do jasmim chegue a Angola. A Líbia já está, venha a Síria e o Irão e estarão criadas as bases para a democracia imperar em todo o continente africano. Para mais informação sobre os negócios secretos e obscuros entre Angola e a China vejam o 'The Economist', aqui.

3- Warren Buffett, americano e terceiro mais rico do mundo, veio a público dizer que devia pagar mais impostos porque tem isenções a mais. Porque paga menos, comparando proporcionalmente com os seus trabalhadores. Porque é tempo de os governos deixarem de apaparicar os ricos. A reboque deste, vieram dizer os 16 mais ricos franceses que querem participar no esforço da crise e propuseram um imposto extraordinário para o efeito. Se os mercados funcionassem assim, com exemplos destes, até podia ser que funcionassem bem. O problema é de quem governa e deste capitalismo de casino que inventou esta crise  geradora de greves e tensões sociais, que não soube gerir, nem quis solucionar. Não sou contra os ricos, sou contra os pobres (no sentido de que desejava que não existissem pobres, bem entendido). Por cá Américo Amorim diz que não é rico. Tem razão. Afinal não há ricos em Portugal. Resumidamente, sem um sistema fiscal justo e equitativo, sem pessoas sérias e corajosas, sem líderes, a gestão da crise será feita nas ruas, quer eles queiram quer não. Alguns dos mais remediados, por assim dizer, começam a abrir os olhos em defesa das suas posses, porque também sabem que este tipo de capitalismo não prospera com tensões sociais. Sinais dos tempos.

P.S.- Só uma pequena nota para dizer que o que se passa entre Angola e a China nada tem a ver com capitalismo, apenas com roubo e ditadura.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Crónica de uma crise anunciada ou como o capitalismo tem o colarinho sujo

Bem podia ser a imagem da crise do capitalismo. Traduzindo o que se vê na imagem: 'Colarinho Branco - Para resolver os crimes mais difíceis, contrate o criminoso mais esperto'.
Na década de 1980, Reagan e Thatcher, a soldo dos interesses e dos favores, inventaram a desregulamentação dos bancos. O dogma capitalista tinha que ser desregulamentado em prol da ideia que os mercados são omniscientes e auto-reguladores. Que a sua 'mão invisível' é infalível. Como uma mola, as oportunidades para a fraude abrigavam-se na desregulamentação potenciadora de crimes. Primeiro os empréstimos 'predatórios' para as classes mais desfavorecidas da sociedade americana. Depois as fraudes com os produtos mutualistas dos bancos de investimento, os chamados 'activos tóxicos', sobrevalorizados pelas agências de rating, que já todos conhecemos, juízes em causa própria, assumindo sem pudor um conflito de interesses latente. O resto já se sabe. Milhares de casas, grande parte hipotecadas duas vezes!, foram devolvidas aos bancos por impossibilidade de pagamento dos respectivos empréstimos. A crise do 'subprime' devolveu aos bancos casas sobrevalorizadas, sem a liquidez que a falta de pagamento dos créditos acarretou. As seguradoras, que asseguravam o risco dos títulos 'falsos', com notações de AAA, abriram falência. A 'bolha' rebentou. Os bancos com ela. Quem lucrou? Os mesmos de sempre, os que pagam às agências de notação a sua actividade fraudulenta, ainda que legal neste sistema. Os mesmos que são assessores da Casa Branca. Os mesmos que usam o Estado para engordar os seus activos. Os mesmos que geriam esses bancos.
Este capitalismo, que se quer auto-regulado e liberal, e desregulamentado ao mesmo tempo, que  não depende dele próprio, do seu auto-funcionamento, mas antes dos estados e dos contribuintes que pagam com austeridade os juros dessas fraudes vai rebentar por dentro. Quando finalmente as pessoas se derem conta de quem puseram no poder, de quem lidera tributando o trabalho e não o capital, de quem aumenta impostos sem cortar despesa, de quem governa juntamente com o colarinho branco, - e não falo só de Portugal - , talvez a crise comece a acabar. Sabiam que alguns bancos norte americanos lavam dinheiro sujo dos cartéis da droga mexicanos como meio de obterem mais liquidez?; Sabiam que os maiores poluidores do planeta 'compram' organizações ecologistas para lavar a imagem?
Não quero com isto esconder o trabalho de casa mal feito. O aumento brutal de salários e de empréstimos, a despesa excessiva do Estado, o mau gerir da coisa pública, o atraso tecnológico que concorrendo com as economias emergentes arrasou as exportações. Tudo isso exponenciou a crise e pôs à sua mercê a solvabilidade dos próprios estados. Mas a crise não começou neles, tal como a que se avizinha.
Em alternativa, enterra-se a cabeça na areia, tapa-se o sol com a peneira, pagamos sem bufar o que nos pedem e o que nos 'roubam', e perante um desvio colossal nas contas públicas do Jardim, diz-se como ele, que a culpa é do Sócrates.
Enquanto Merkel e Sarkozy dão pontapés para a frente, como se fossem eles as instituições que não funcionam no seio da UE. As medidas ontem anunciadas são o fazer de conta que estão preocupados, preocupados que estão com as eleições internas dos seus países. O governo económico da UE a ser feito, será partilhado pelos dois (claro). A haver justiça levarão um chuto no traseiro. Lá e pelo caminho.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

O aprendiz

'O Aprendiz', 'The Apprentice' no original, é um reality show norte americano, em que vários concorrentes têm que superar várias provas para convencer o magnânimo Donald Trump a contratar o vencedor. Apesar de se basear no mérito, uma pequena falha dita a sorte do concorrente mais fraco, por assim dizer. O seu destino é selado com um eloquente 'You're fired!' por parte do sagaz e impiedoso patrão.
A realidade norte americana não foge muito aos parâmetros do concurso, o livre arbítrio da entidade patronal. Assim, ao não existir no sistema a obrigatoriedade da justa causa de despedimento, qualquer pessoa está sujeita à boa vontade e disposição do seu patrão. Tenha ou não mérito a decisão e/ou o trabalhador.
Ainda não é assim em Portugal... Mas é o que desejam fazer, ao atropelo das regras mais básicas do Direito Laboral e da Constituição. Ao contrário do que se pensa, a garantia de que só se pode despedir alguém com justa causa, não é só uma protecção para o trabalhador. O conceito envolve também a capacidade e a competência do trabalhador. Pelo que alguém que seja despedido por justa causa, sendo essa causa a incompetência, provada através de um inquérito disciplinar, com respeito pelo princípio do contraditório, não acarreta para o patrão qualquer tipo de custos ou sanções.
O problema em Portugal prende-se com a progressão pelo mérito, e a falta de fiscalização. Dou como exemplo o caso dos professores ou dos magistrados. Em cada 1000 há uma nota negativa. Das duas, uma.  Ou são todos bons, ou o sistema não funciona. E não funciona porque nestes casos eles são avaliados pelos seus pares. Quando se contrata uma auditoria externa é porque não se confia nos números que saem de quem os faz ou gere. Neste caso a fiscalização devia ser assegurada por uma entidade externa e independente. Assim também na função pública. No sistema privado, a linha da fronteira já é mais difícil de traçar. Daí que o sistema da justa causa de despedimento é um elemento fundamental quer da nossa Constituição quer da vida em sociedade. A liberalidade que nos querem impor, aliada à progressiva descida das indemnizações, até atingir o grau zero no espaço de 3 anos, levará ao totalitarismo das entidades patronais, à desconfiança e à insegurança.
Na Inglaterra estão a resolver o problema dessas e outras injustiças da maneira que se tem visto. O atropelo à sociedade justa e equitativa, leva a excessos que em nada dignificam a democracia. Já disse e volto a afirmar, casos como os de Inglaterra, Noruega e dos países muçulmanos vão multiplicar-se. Até onde chegarão é a minha apreensiva dúvida...

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Tempos de glória

Ontem revi um filme que só tinha visto uma vez há muitos anos. Tem por título ‘Tempos de glória’, ‘Glory’ no original, e conta no elenco com nomes como Denzel Washington e Morgan Freeman. Data de 1989 e relata a integração dos negros no exército da União na guerra civil americana que ficou para a história como ‘guerra da secessão’. Sem querer desvendar muito do que é o filme para quem ainda não o viu, posso afirmar que é mais actual do que nunca. Como sabem, ou talvez não, a guerra civil americana foi no seu essencial uma questão de luta a favor (estados confederados do sul), ou contra (estados da união do norte) o racismo e a escravidão dos negros. A história nunca é assim tão simples, mas o essencial é isto. Tal como na II Grande Guerra, que teve na sua génese o domínio e o ódio raciais. Voltando ao filme, e isto é algo que se pode ver em qualquer trailer, os escravos negros do sul fogem para o norte, onde lutam por um lugar no exército da União em busca do orgulho e da glória de se poderem afirmar como homens na luta contra as injustiças e os crimes cometidos contra a sua raça, e que Abraham Lincoln – presidente americano da época - reconheceu como seres humanos livres e iguais. O resto já se sabe, após uma guerra fratricida, o norte venceu para bem da humanidade e dos princípios por que esta se deve reger. Se o sul tivesse ganho, num país que viria a tornar-se a maior potência do século XX, provavelmente, outros seriam os destinos do planeta. Os princípios que regeriam os EUA não seriam muito diferentes daqueles da Alemanha Hitleriana. E o mundo ganhou a II Grande Guerra porque os EUA a ganharam. O seu a seu dono. Não quero com isto dizer que toda a gente do sul dos EUA pensa ou pensava assim. Mas a grande maioria pensava. Basta ver alguns filmes do tipo de ‘E tudo o vento levou’ ou ‘Mississipi em chamas’, para sabermos quem tinha escravos, quem deles necessitava e onde nasceu e proliferou o Ku Klux Klan. 
A diferença residia na mestria e no génio do líder de então. Lincoln foi talvez o mais sábio e justo presidente norte americano. Aliando uma crença, saber e princípios inabaláveis, com uma inteligência acima da média soube capitalizar a injustiça sofrida pelos negros e transformá-la em 180.000 almas que deram a vida pela vitória dos princípios maiores do ser humano – a liberdade e a igualdade. Assim à época como noutras, esses princípios nasceram da Revolução Francesa de 1789 e influenciaram o que se seguiu na história da humanidade. Por sorte a humanidade contou com grandes líderes. Na II Grande Guerra, Churchill e Roosevelt. Só para lembrar tempos mais recentes, Gorbachev, Lech Walesa, Willy Brandt ou Helmut Kohl, entre outros...

E no século XXI?... Blair e Bush na guerra no Iraque e Afeganistão. Nos dias que correm, Sarkozy, Merkel, Barroso, Berlusconi e Obama, nobel da paz sem o ser, uma grande desilusão. Os homens fazem os líderes. Os líderes mudam a história. O mundo contemporâneo, de crises, ódios raciais e religiosos, fome, pobreza, exploração, egoísmos, liberalismos e libertinagem, de revoluções (algumas positivas como a primavera muçulmana), terroristas, extremistas e populistas, tiranos, ditadores, mafiosos, apostadores, especuladores e agiotas, chantagistas e corruptos, vai precisar de líderes. Os que temos são medíocres. Os próximos tempos vão precisar de homens de glória.

Na Noruega o exemplo é mais que conhecido, não se pode é cair no erro de tratar Breivik como louco, há muitos a pensar como ele, cada vez mais, e tratá-lo como louco seria menosprezar um movimento crescente e muito perigoso.
No Irão uma mulher, a quem um homem desfigurou e cegou com ácido sulfúrico, obteve uma ordem judicial (Lei de Talião, v.g. olho por olho, dente por dente) para poder fazer o mesmo ao seu agressor. Note-se que não era ela a executar a sentença. No momento final perdoou-o. Quantos de nós fariam o mesmo? Homens de glória ou mulheres de glória, o que importa é liderar pelo exemplo...

Por cá os exemplos de fraca liderança são pagar 500 milhões de euros para vender um banco do Estado (sim, pagar para vender!), mais as indemnizações a 800 trabalhadores que vêm para a rua, ou aumentar o número de administradores de outro banco para meter alguns boys, ou ter pressa no aumento de impostos extraordinários, e ser-se muito lento na tão apregoada redução da despesa. Definitivamente não vivemos tempos de glória.