quinta-feira, 31 de março de 2011

'As armas e os barões assinalados'

As armas e os barões são hoje diferentes dos cantados por Camões no seu tempo. Aqui fica uma análise ao governo Sócrates, bem ou mal, por acção ou omissão, certo contudo de que existiram dois momentos, antes de 2008 e após 2008. Ou seja, antes da crise internacional e depois dela...

Uma pequena nota porém, para os mais distraídos; se não havia coligação negativa quando os partidos da oposição a uma só voz chumbaram o PEC IV, que vai ser aplicado na mesma e até reforçado, Passos Coelho dixit (inclusivamente com aumento de IVA, o mais cego de todos os impostos e privatização, imagine-se, da CGD), esta semana voltaram a unir-se, depois de Sócrates se ter demitido, para anular a avaliação dos professores. Espero que, tal não signifique que os professores não vão ser avaliados tout-court, espero que pelo menos não surja essa tentação populista, assim como esta foi em vésperas de eleições...os mesmos professores que recebem 5 euros por cada exame que corrigem. Já agora, que recebam os bombeiros 10 euros por cada fogo que apaguem, e os juízes 20 euros por cada processo que julguem...

Antes da crise havia 420.000 desempregados em 2005, os mesmos que em 2008, depois da crise o número passou para 600.000; antes da crise o barril do petróleo custava 70 dólares, depois da crise custa quase o dobro; antes da crise a dívida pública em percentagem do PIB era de 64%, depois da crise é de 82%; antes da crise o défice orçamental foi reduzido de 5% para 2,6% entre 2005 e 2008, dentro do Pacto de Estabilidade e Crescimento Europeu, depois da crise estará nos 7%, e até já esteve nos 9,4%.

 + do governo de Sócrates:
  •  Reforma do Estado (PRACE - Programa de Restruturação da Administração Central do Estado);
  • Aposta nas renováveis (construção de barragens, eólicas e centrais fotovoltaicas - top 5 mundial);
  • Reforma da Segurança Social (introdução do factor de sustentabilidade associado à longevidade, o que garante pensões e reformas até à década de 2030 pelo menos);
  • Criação das Unidades de Saúde Familiar (deu a mais 450.000 portugueses um médico de família);
  • Lei da Igualdade;
  • Simplex (avanço geracional);
  • Fim da Alta Autoridade para a Comunicação Social;
  • Cimeira da Nato e eleição para o seu Conselho de Segurança;
  • Reforma da Estrutura Superior das Forças Armadas;
  • Reorganização territorial (bombeiros e protecção civil ganharam comando único);
  • Cursos profissionais (de quase inexistentes passaram a estar em quase em todas as escolas);
  • Reforma da organização dos Tribunais e sua informatização;
  • Mais 2.500 km em AutoEstradas, IP's e IC's;
  • Aumento em 110 euros do salário mínimo nacional;
  • Diminuição de 50.000 funcionários públicos;
  • Investimento em ciência (superou Espanha e Itália, entre outros);
  • Programa de regadio do Alqueva;
  • Inflação desceu de 2,3% para 1,4%;
  • Rede escolar melhorada e optimizada.

 - do governo de Sócrates:


  • Processos e suspeitas de Sócrates (algumas injustas mas com grande impacto na sua imagem);
  • Demora em admitir a derrapagem do défice de 2009;
  • Aumento das tarifas de electricidade, gás natural e combustíveis;
  • Aumento do desemprego em 4 pontos percentuais;
  • Cortes nos apoios a medicamentos, transportes e exames;
  • Gastos do SNS;
  • Cartão do cidadão com impacto em eleições;
  • Condicionamento dos media (algum merecido, lembrando aqui a desbocada M. Moura Guedes);
  •  Lei eleitoral autárquica e do parlamento por fazer;
  • Blindados para a cimeira da Nato;
  • Má gerência dos dossiês do TGV, novo aeroporto e avaliação de professores;
  • Más relações entre política e justiça;
  • Má gestão do PRODER (fraco aproveitamento do Programa de Desenvolvimento Rural);
  • Subserviência aos grandes grupos económicos.

A crise internacional não explica tudo, mas é difícil não ver que há um antes e um depois de 2008. E haverá um antes e um depois de Março de 2011, para pior, e a culpa não será de Sócrates. Houve realmente uma coligação negativa, basta ver e ouvir o que diz e propõe Passos Coelho e o que não diz Cavaco Silva. Para mal do país.

PS- Ninguém se indigna quando uma qualquer agência de rating 'ameaça' Portugal? As mesmas agências que sobrevalorizaram 'lixo', como elas gostam de dizer, em nome dos juros e dos lucros dos seus clientes, e que estiveram na origem da crise do subprime americano e de toda a crise internacional. A UE não põe travão nisto de uma vez por todas e define ela própria em que moldes e por que regras se regerá a ajuda externa? Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia não se unem contra a especulação? Talvez alguém não queira...

quinta-feira, 24 de março de 2011

Inside Job - ou como a bomba nos explodiu nas mãos

Finalmente! Caiu o papão... o animal feroz, o mentiroso! Aleluia! Até que enfim, vem aí o FMI, por culpa dele claro, e eleições que já tinha saudades, por culpa dele, claro. Vem aí um governo diferente, que vai aplicar com orgulho as medidas de Merkel, que vai acabar com a justa causa de despedimento, que vai pôr toda a gente a recibos verdes, que vai recuar 30 anos nas leis laborais, que vai despedir 20.000 funcionários públicos, a mando do FMI claro, que vai cortar entre 10% a 20% nos salários, a mando do FMI obviamente, que vai pôr o país na ordem, que eles é que são bons, e com a crise podem eles, que os outros é que tiveram culpa da maior crise desde 1929, agora é que vai ser...explodiu a bomba e o país fica para depois.

Eis o que vi e ouvi no dia de ontem...demissão de Sócrates incluída.
Assisti incrédulo à seguinte afirmação por parte de Miguel Macedo, líder parlamentar do PSD: "O PSD não chumbou as medidas do PEC, o PSD chumbou a credibilidade do Governo."
Antes disto, numa nota em inglês para os seus homólogos de Bruxelas, o PSD, entre outras disse: "é preciso atacar a base de apoio de funcionários públicos do PS".
Vi a intervenção na AR de M. Ferreira Leite. Tive vontade de rir, mas não consegui, só conseguia visualizar a austera  Ministra das Finanças de Durão Barroso. Tentei lembrar-me de alguma medida de mérito que ela tenha tomado, de alguma obra que ficasse, de redução do défice, de redução da despesa, etc. Não consegui. Lembrei-me então de quando ela era Ministra da Educação. Definitivamente não consegui sequer esboçar um sorriso.
Então, com muito esforço, tentei lembrar-me de alguma coisa que Cavaco tenha dito para, com a sua magistratura activa, tentar pôr ordem nos rapazolas que estavam a brincar aos governos de um país endividado. E não é que o homem não disse nem fez nada?!?!
Tentei lembrar-me de alguma ideia, medida ou letra de canção a roçar o foleiro mas com epíteto de intervenção, que o PSD tivesse sugerido...nada.
Vi que ninguém quis saber do apoio e aplauso de todas as instituições europeias às medidas constantes do PEC IV, que, como é imposto por estas vão mergulhar o país numa crise ainda pior.
Pensei que Sócrates devia estar mesmo agarrado ao poder, demitindo-se quando a isso não era obrigado, mas sentindo que não lhe davam condições mínimas de estabilidade para continuar a  governar.
Mais tarde, já com muito sono, deu-me para tentar imaginar o que é que PSD e CDS poderiam fazer de diferente, e acordei com Passos Coelho a dizer que já está a pensar aumentar o IVA.
Como é possível brincar assim com o país, principalmente com  um golpe vindo de dentro (Inside Job). Como se não bastasse o maravilhoso sistema em que a União Europeia se deixou amordaçar, em que a agências de rating Fitch, Moody's e Standard and Poor's, baseadas nos Estados Unidos da América (onde havia de ser?) controlam as políticas fiscais, económicas e sociais dos Estados-Membros da União Europeia através da atribuição das notações de crédito.


"Aníbal António Cavaco Silva, agora Presidente, mas primeiro-ministro durante uma década, entre 1985 e 1995, anos em que estavam despejando bilhões através das suas mãos a partir dos fundos estruturais e do desenvolvimento da UE, é um excelente exemplo de um dos melhores políticos de Portugal. Eleito fundamentalmente porque ele é considerado "sério" e "honesto" (em terra de cegos, quem vê é rei), como se isso fosse um motivo para eleger um líder (que só em Portugal, é) e como se a maioria dos restantes políticos (PSD/PS) fossem um bando de sanguessugas e parasitas inúteis (que são), ele é o pai do défice público em Portugal e o campeão de gastos públicos.
A sua "política de betão" foi bem concebida, mas como sempre, mal planeada, o resultado de uma inepta, descoordenada e, às vezes inexistente localização no modelo governativo do departamento do Ordenamento do Território, vergado, como habitualmente, a interesses investidos que sugam o país e seu povo.
Uma grande parte dos fundos da UE foram canalizadas para a construção de pontes e auto-estradas para abrir o país a Lisboa, facilitando o transporte interno e fomentando a construção de parques industriais nas cidades do interior para atrair a grande parte da população que assentava no litoral.
O resultado concreto, foi que as pessoas agora tinham os meios para fugirem do interior e chegar ao litoral ainda mais rápido. Os parques industriais nunca ficaram repletos e as indústrias que foram criadas, em muitos casos já fecharam. Uma grande percentagem do dinheiro dos contribuintes da UE vaporizou em empresas e esquemas fantasmas. Foram comprados Ferraris. Foram encomendados Lamborghini. Maserati. Foram organizadas caçadas de javali em Espanha. Foram remodeladas casas particulares. O Governo e Aníbal Silva ficou a observar, no seu primeiro mandato, enquanto o dinheiro foi desperdiçado. No seu segundo mandato, Aníbal Silva ficou a observar os membros do seu governo a perderem o controle e a participarem. Então, ele tentou desesperadamente distanciar-se do seu próprio partido político. E ele é um dos melhores (...) Depois de Aníbal A. Cavaco da Silva veio o bem-intencionado e humanitário, António Guterres (PS), um excelente Alto Comissário para os Refugiados e um candidato perfeito para Secretário-Geral da ONU, mas um buraco negro em termos de (má) gestão financeira. Ele foi seguido pelo diplomata excelente, mas abominável primeiro-ministro José Barroso (PSD) (agora Presidente da Comissão da EU, "Eu vou ser primeiro-ministro, só que não sei quando") que criou mais problemas com seu discurso do que ele resolveu, passou a batata quente para Pedro Lopes (PSD), que não tinha qualquer hipótese ou capacidade para governar e não viu a armadilha.
Resultando em dois mandatos de José Sócrates; um Ministro do Ambiente competente, que até formou um bom governo de maioria e tentou corajosamente corrigir erros anteriores. Mas foi rapidamente asfixiado por interesses instalados.
Agora, as medidas de austeridade apresentadas por este primeiro-ministro, são o resultado da sua própria inépcia para enfrentar esses interesses, no período que antecedeu a última crise mundial do capitalismo (aquela em que os líderes financeiros do mundo foram buscar três triliões de dólares de um dia para o outro para salvar uma mão cheia de banqueiros irresponsáveis, enquanto nada foi produzido para pagar pensões dignas, programas de saúde ou projectos de educação)."
Timothy Bancroft-Hinc in "Pravda", jornal russo, esta semana, sobre Portugal.


Post Scriptum - Aconselho vivamente o documentário sobre a crise internacional "Inside Job".


quarta-feira, 16 de março de 2011

O rosto da política necessária

Hoje, perdoar-me-ão, vou ser um pouco mais extenso. Os tempos que vivemos, são em simultâneo, difíceis mas empolgantes. O serem difíceis julgo que está à vista de todos. São empolgantes no sentido do debate ideológico que se impõe ou que nos é imposto. Chegou a hora de tomar partido.

Todos os dias nos dizem que acabou o Estado social, o Estado protector, a economia previsível, as certezas absolutas, o emprego para a vida, o trabalho com contrato, a segurança apaziguadora. O mundo pula mais do que avança e está em constante sobressalto (eu sei, foi um trocadilho fácil da letra da música "Pedra Filosofal"). A evolução civilizacional conquistada a pulso no último século está em crise, feita de revoluções, de luta pela liberdade, de combates ideológicos mais ou menos sangrentos. Ainda não se sabe se ganhou o sistema capitalista, do mercado liberal, se o sistema social, do Estado protector. Provavelmente ganharam os dois. Sabe-se quem perdeu, as ditaduras, os imperialismos, o fascismo, o socialismo marxista, leninista e trotskista, os extremos de direita ou de esquerda. A liberdade ganhou e deve ganhar sempre! A liberdade de escolha, a liberdade de voto, a liberdade de expressão. Acontece que a liberdade não é um fim em si mesmo, ela implica responsabilidade, implica que se saiba viver com ela, e não aproveitar-se dela. E isso mesmo decorreu da queda do muro de Berlim, da queda do sistema socialista soviético. A liberdade do capital chamou a si a sua própria liberdade. Assistimos recentemente à falência do sistema capitalista global. Disso que ninguém tenha dúvidas. Se  o fim do socialismo utópico e de Estado se deveu à falta de liberdade individual e privada, a liberdade desregrada e egoísta dos últimos anos de especulação financeira deveria levar ao fim do capitalismo neo-liberal. A diferença reside no conteúdo e não na forma. Infelizmente. O dinheiro é, hoje por hoje, mais importante que o individuo. E é por isso que o sistema capitalista tout-court, desregulado e especulativo não morreu e está mais forte do que nunca. Repare-se que agora uma qualquer agência de notação financeira, elas próprias com grande responsabilidade na crise financeira que posteriormente levou à económica, mantêm os próprios Estados reféns da sua ânsia e ganância. O modelo social europeu caiu pela base à mais mínima probabilidade de alguém poder perder algum dinheiro. E já aqui perguntei como é possível que a crise do sistema neo-liberal e global dê origem ao atestado de óbito do Estado social? A única explicação que encontro é sempre a mesma e passa por falar em dinheiro. 
Aos que me acusam de seguidismo e parcialismo, eu respondo que têm toda a razão, sou seguidista dos meus ideais de esquerda quando se trata de igualdade e liberdade,  parcial o suficiente para sobrepôr o individuo ao capital, de defesa do Estado social e protector, sempre com a noção exacta que são os mercados livres que devem e podem melhor desenvolver a economia e o mundo, mas com regras, que só podem ser ditadas pelo Estado. Isto sim é política...eu já escolhi o meu partido. E vós?

Por contraponto à política, vem a política dos politiqueiros, a chamada politiquice. Este era o momento para se debater a fundo a politica dos ideais, com ideias responsáveis e seguras. Mas não, desde Merkel, a Sarkozy, passando cá no nosso burgo por Cavaco, Passos Coelho e Sócrates, todos resolveram desperdiçar a oportunidade única que vivemos de poder encontrar pontes e pontos de união para o futuro. Quem sabe até encontrando uma solução intermédia que desembocasse num sistema político que aproveitasse o melhor de gregos e troianos.
Mas não. Joga-se à política, foge-se às responsabilidades, brinca-se com o país e com o nosso futuro e dos nossos filhos.
O folhetim do novo PEC é o que faltava para pôr de vez a pedra sobre o túmulo. Se é verdade que o congelamento das pensões mais baixas, é (e para usar uma palavra da moda) do mais rasco que se pode fazer, aliado aos cortes nas outras pensões, bem como à maior desbaratização e precariedade do emprego, então o Estado social bateu mesmo no fundo, ainda por cima com directivas ditadas pela Alemanha, ao arrepio das instituições europeias democraticamente eleitas. Já não nos dirigimos à comissão ou ao parlamento europeus, vamos directamente falar com Merkel. E aí a culpa é de Sócrates e de todos os bonecos que por lá pululam. Passos Coelho queria cozer em lume brando este Governo mais uns meses, só que não contou com o desnorte que por lá se vive, e por querer ou sem querer, culpa de Sócrates ou de Passos Coelho, a crise política está instalada. E Passos Coelho que contava com o desgaste do Governo para chegar à maioria absoluta, vê-se confrontado com um cenário de eleições, que estou convencido, não desejava já.  O PEC vai a votos e o Governo vai cair. Até que enfim...ou não...porque neste momento a direita unida (PSD/CDS) ainda não tem maioria absoluta. Que outra coisa poderá o PSD fazer no poder sem maioria? Vai chamar o FMI? Vai Paulo Portas negociar com Merkel? Ou vai tomar medidas senão iguais, bem piores, a reboque do discurso de todos os governos recém empossados do "nunca pensei que isto estivesse tão mal", ou do "a culpa do governo anterior", etc. O jogo da politiquice de quem deve ser responsável veio para ficar. À falta de ética e de responsabilidade, junta-se a falta de vergonha e de coragem e a ânsia ou a manutenção do poder. O país fica para depois.

E agora para acabar com a politiquice, mais uma vez Cavaco Silva surpreendeu... ou não, ao dizer a seguinte frase ""Importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do país com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar". Pergunto eu: será que para Cavaco a guerra colonial fooi essencial ao nosso futuro? Será que as missões e as causas serão as mesmas de um regime ditatorial e as de quem foi eleito e vive em liberdade? As palavras brotam da sua boca com a determinação de quem não sabe o que está a ler, com a ignorância de quem não percebe o significado das coisas, ou então é mesmo convicção. Seja como for qualquer delas é muito grave. Vou fazer-me amigo de Cavaco no Facebook, porque ao que parece é lá que ele explica o que verdadeiramente quis dizer. Sem comentários.

Não é de estranhar pois, que os meios e as redes tradicionais estejam em risco, com o surgimento das redes sociais globais, rápidas e abrangentes, quando a política de  ideais é substituída pelo jogo do momento, pelo soluçar do poder e dos boys, que, não se iludam, são de todos os quadrantes e mudam de cor conforme a onda. Os protestos espontâneos a que temos assistido são fruto da politiquice que se vê e da política que não se vê. Mas se nascem sem ideologia, só a ideologia os fará alcançar uma meta. É o nosso sistema democrático que o exige, e aí temos que  votar nos rostos que nos representam ou não. Talvez por tudo isto se explique a abstenção. Mas ninguém devia ser abstencionista, que para todos os efeitos não é a mesma coisa. Talvez por isso em França a extrema direita esteja a ganhar terreno. Temo o pior. É chegada a hora de escolher. Mas sempre pela liberdade...

quinta-feira, 10 de março de 2011

Os rascas da geração

Na semana passada uma música foleira com letra foleira do grupo musical 'Deolinda' deu a uma nova geração o epíteto de "geração à rasca". Isabel Stilwell foi a autora do artigo que a baptizou, por contraponto àquela "geração rasca" do então 'iluminado' e hipócrita Vicente Jorge Silva.

1- Já aqui escrevi sobre a "geração à rasca" (v.d. artigo anterior de 2 de Março). No passado fim-de-semana, surgiu uma outra música foleira com letra foleira, que, pasmem-se!, venceu o Festival da Canção português que nos irá reprentar no Festival da Eurovisão. Como a imagem acima documenta, podem ver-se "os homens da luta" vestidos à anos 70, acompanhados por um trolha, um militar do 25 de Abril e uma peixeira (ou lá o que é aquilo). Não é que ligue muito ao Festival, verdade seja dita, a maioria da música ali apresentada roça os limites do ridículo, mas nunca pensei que se pudesse descer tão baixo. Apesar de tudo, o Festival Europeu é visto por milhões em toda a Europa, e não me revejo de todo naquela actuação enquanto cidadão português. No fundo, as músicas acima referidas, assim como a importância que lhes foi atribuída são um espelho da nossa sociedade, definhada e sem ideias.
É pena quando um grupo de humoristas, de 'Jel' e companhia, que tão bem representavam a 'luta', se comece a levar a sério. Esse é o princípio do fim, e acontece a cada passo, vejam-se os casos do Herman ou dos Gatos Fedorentos.

2- Esta semana também vimos mais um caso em que a ambição de meia dúzia suplanta a luta de milhares. Com uma manifestação marcada para Sábado , 12 de Março, no dia de Carnaval, meia dúzia de jovens em busca dos seus 15 minutos de fama, resolveram interromper o discurso de Sócrates num comícío privado. Têm o direito de se manifestar, mas não com falta de educação e de civismo, inrompendo num sítio e numa festa privada, e interrompendo quem no seu exercício legítimo, (e nunca é demais dizê-lo, legitimado nas urnas pelo povo português), discursava numa reunião, e volto a frisar, privada. A luta faz-se na rua. E assim como me revejo no manifesto apresentado e que dá consistência e razão à manifestação de Sábado, não posso concordar com atitudes desrespeituosas dos direitos dos outros. Tenho a certeza que muitos dos que manisfestarão no Sábado não concordaram com a mancha que já levam nos sapatos.

3- Para terminar, ontem, Cavaco Silva, tomou posse para o seu segundo mandato como PR. A magistratura activa, por contraponto com a passiva do primeiro mandato, começou a definir os seus contornos. E foi o que se desconfiava. A magistratura activa de Cavaco, como ficou patente no seu discurso, será a de tomar as rédeas da oposição, numa atitude sectária e facciosa de quem é Presidente só de alguns portugueses. Cavaco apresentou ontem a sua moção de censura ao Governo, ignorando propositadamente a crise internacional. O discurso de tomada de posse, ao nível de um qualquer líder da oposição, foi um discurso populista, reacionário, demagógico, e chantagista. Não apresentou uma única medida ou solução, não apontou um caminho, não fez o seu papel. Chegou ao cúmulo de ser o primeiro PR a incitar ao levantamento popular e à reacção. Foi o primeiro a ser ao mesmo tempo Presidente da República, líder da oposição e sindicalista mobilizador de manifestações. Cavaco tem saudades de ser Primeiro-Ministro, eu não tenho, mas gostava de ver o que era capaz de fazer neste momento de crise internacional, sem dinheiro para auto-estradas...

O FMI assim que aterrasse na Portela, emigrava no próximo vôo.


quarta-feira, 2 de março de 2011

Geração à rasca

É incrível o momento que vivemos...uma música foleira com letra foleira deu ao país e a uma geração um epíteto decalcado de um outro ainda mais rasca, rotulado por um qualquer energúmeno com requintes de hipocrisia.

É perfeitamente legítimo o estado de indignação de milhares de jovens desempregados e trabalhadores precários. É naturalmente legítimo que o queiram manifestar na rua. Já assim não será se a eles se juntarem os 'coitadinhos do contra', os oportunistas e os anárquicos e transformarem o protesto em desunião e desordem. Concordo que se manifestem e mostrem o seu descontentamento, tenho a convicção que de nada servirá, à imagem do que aconteceu com a greve geral do passado dia 24 de Novembro de 2010.

O protesto, ao que julgo saber, é contra a classe política, as suas mordomias e privilégios, contra os bancos, contra os impostos, contra os impostos que os bancos não pagam, contra a corrupção e contra o trabalho precário e o desemprego. Nisso não posso concordar mais. A luta faz-se na rua, mas Portugal não se situa no Magrebe, no Norte de África ou no Médio-Oriente. A manifestação só tem semelhanças com a luta dos países dessas zonas pela forma como é convocada, via e-mail e redes sociais, não se trata como é óbvio de derrubar o regime, nem tal é sequer posto em causa.
Mas, volto a insistir, os dividendos serão quase nulos.
A nossa geração não é rasca, está mais que provado. A geração 'quinhentos euros' não é a dos corruptos, dos pedófilos, dos especuladores e gananciosos, não é um pântano, não usa tanga, mas está à rasca. Esta geração não tem medo das revoluções que acontecem no mundo árabe e muçulmano, não põe entraves nem desconfianças, tem esperança num futuro melhor. O situacionismo não é opção. Esta geração não se importa de pagar a gasolina mais cara, desde que seja dada a oportunidade a países e gerações amordaçadas por ditadores sanguinários de sentirem a liberdade de serem eles a tomar as rédeas do seu futuro, a liberdade de dizer o que pensam, a liberdade de escolher viver em democracia. Esta geração é vítima, mas não quero que se vitimize.

Esta geração exige a mudança mas o que aí virá não trará o milagre desejado, porque quem manda são os mercados, e esses exigem e conseguem, não precisam de manifestações, basta a especulação. Já se sabe que hoje já não existem empregos para a vida, mas a alternativa vai agravar o fenómeno de forma crítica, senão vejamos o PSD (única alternativa que se perfila ao PS) que assim que estiver no poder vai desbaratar e precarizar de alto a baixo o emprego, veja-se a última proposta que fizeram acerca da possibilidade de haver contratos de trabalho orais...estou mesmo a ver um trabalhador a ser dispensado, alegando o patrão a falta de contrato de trabalho, e o trabalhador a pedir aos colegas que sejam testemunhas, está-se mesmo a ver...contrato de trabalho oral faz-me lembrar aquele que é desenvolvido por 'meninas' de rua e que na Alemanha já pagam impostos.
Acredito que o ciclo de Sócrates esteja para acabar, já poucas vidas lhe restarão, mas uma coisa é certa e disso ninguém o acusará, o homem não desiste...cometeu erros é verdade, mas ao contrário de outros, seus antecessores, não abandona o país. Antes da crise internacional, financeira e depois económica, nos bater na cara, o país respirava como sempre desde o 25 de Abril de 1974, endividado. E com toda a frontalidade afirmo, em grande parte a culpa não é dele.

E se quiserem saber se a entrada do FMI é melhor, vejam os casos da Grécia e da Irlanda, que pagam taxas de juro mais altas que as nossas, com o desemprego ainda mais alto do que aquele que tinham antes de serem 'ajudados'. A única coisa que o FMI e FEE trarão, como sempre trouxeram, são cortes cegos com a mesma receita, sem qualquer preocupação com as vicissitudes do lugar onde é aplicado, com a razia comatosa da economia. O que interessa é que os credores recebam, o devedor, depois de tudo pago, que se desenrasque. E quem vai ter que se desenrascar é quem já está à rasca.